Diário de Notícias

Itália à beira de acordo político desafia UE e dá a mão à Rússia

Di Maio e Salvini discutem medidas que põem em causa zona euro. A nível internacio­nal, pedem o fim de sanções contra Moscovo e falam de Putin como “interlocut­or estratégic­o”

- SUSANA SALVADOR

“Destruir Itália para prejudicar a Europa”, escreveu o jornal La Repubblica. “Roma abriu a porta aos bárbaros modernos”, diz o Financial Times

O acordo de governo em Itália entre o Movimento 5 Estrelas (M5E), de Luigi di Maio, e a Liga Norte, de Matteo Salvini, está por horas e inclui vários aspetos que fazem soar as campainhas de alarme na União Europeia (UE), como um mecanismo que permita a saída da zona euro ou um pedido de perdão da dívida. Ao mesmo tempo, a nível da política externa, os dois partidos estendem a mão à Rússia, exigindo o “fim imediato” das sanções europeias e defendendo uma abertura a Moscovo.

“Confirmamo­s a nossa ligação à NATO, com os EUA como aliado privilegia­do e uma abertura à Rússia, que não deve ser vista como uma ameaça, mas como um parceiro económico e comercial”, diz o rascunho do acordo entre Di Maio e Salvini, ao qual o site Huffington Post italiano teve acesso. Coloca ainda o presidente­Vladimir Putin como “interlocut­or estratégic­o” em zonas de conflito como a Síria ou a Líbia, pedindo o “fim imediato” das sanções europeias contra a Rússia.

Os 28 introduzir­am as sanções pela primeira vez em 31 de julho de 2014, por um período de um ano, em resposta às ações da Rússia que estavam a desestabil­izar a situação na Ucrânia, e foram reforçadas em setembro de 2014.Visam os setores das finanças, da energia ou da defesa e têm sido prorrogada­s – a última vez, em dezembro, até 31 de julho. Entretanto, a relação da UE com Moscovo deteriorou-se mais devido ao caso Skripal – Londres acusou a Rússia de estar por detrás do envenename­nto do ex-espião e da sua filha no Reino Unido, com vários países europeus a expulsarem diplomatas russos.

Mas os sinais de alarme na UE com o rascunho do acordo entre os dois partidos eurocético­s, que saíram vencedores das eleições inconclusi­vas de 4 de março, vão além da política internacio­nal. Ontem, a ideia de que o futuro governo poderia avançar para a saída do euro, renegociar os tratados europeus (falaram em recuar aos parâmetros pré-Maastricht, o tratado que lançou as bases da união monetária) ou pedir ao Banco Central Europeu o perdão de uma dívida de 250 mil milhões levou à queda da bolsa de Milão.

Mesmo que estas ideias não vão para a frente, com os dois partidos a dizerem que o rascunho datava de segunda-feira e já estava ultrapassa­do (nomeadamen­te quanto à moeda única, que não põem em causa), o tom das medidas previstas no rascunho preocupa os mercados e os analistas. “Destruir a Itália para prejudicar a Europa”, escreveu o jornal La Repubblica. Salvini rejeitou as críticas e os “insultos” dos media, nomeadamen­te do Financial Times, que escreveu que “Roma abriu as portas aos bárbaros modernos”. Num vídeo no seu Facebook, o líder da Liga Norte respondeu: “É melhor os bárbaros do que os lacaios que vendem a dignidade, o futuro, as empresas e até as fronteiras da Itália. Os italianos em primeiro!”

Por seu lado, Di Maio disse que o governo estaria disponível para dialogar com a UE, mas não para receber ordens dela. “Vai haver diálogo com a Europa, mas não nos vamos subordinar aos eurocratas”, afirmou, dizendo perceber que “o acordo possa assustar parte dos burocratas europeus”. Antes, já o fundador do M5E, o ex-humorista Beppe Grillo, tinha deixado críticas numa entrevista à Newsweek. “A UE teve muitos méritos no passado, mas agora é disfuncion­al. Precisa de reforma. O Parlamento Europeu não tem poder, as decisões são tomadas pelos comissário­s. E, se olharmos para quem está nas comissões, encontramo­s um político rodeado de sete lobistas. Adivinhem quem toma as decisões?” Grillo defendeu uma “visão da Europa inspirada no modelo suíço de democracia direta”, apoiando “um referendo consultivo sobre o euro” e a existência de dois euros diferentes, um para o norte e outro para o sul da Europa.

Os dois líderes estão disponívei­s para abdicar de um cargo no executivo para garantir o acordo. “Espero poder estar envolvido no governo, para me pôr à prova. Mas, se for necessário, eu e o Salvini estamos disponívei­s para ficar de fora”, explicou o líder do M5E. Segundo o rascunho do acordo, será criado um “comité de conciliaçã­o”, uma estrutura ligada aos partidos e paralela ao governo que será a responsáve­l por resolver os desacordos entre ambos.

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Luigi di Maio diz que está preparado para ficar fora do governo, tal como Matteo Salvini, se isso for necessário para garantir acordo

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