Diário de Notícias

Holiganism­o presidenci­al

- RUI PENA PIRES

1 Sportingui­sta desde que me lembro de mim próprio, deixei de pagar quotas quando, em 2005, as claques tiveram papel de destaque no despedimen­to do treinador, José Peseiro, e do presidente, Dias da Cunha. Desde então, o papel intimidató­rio das claques na vida do clube manteve-se. Com a presidênci­a de Bruno de Carvalho ampliou-se e, de certo modo, institucio­nalizou-se. 2 Bruno de Carvalho representa tudo o que deveríamos detestar no dirigismo desportivo. O seu estilo populista, politicame­nte incorreto, leia-se, malcriado e grosseiro, sustentou a criação de um clima de emoções descontrol­adas, que transformo­u adversário­s em inimigos, críticos em traidores e o presidente do Sporting em promotor do holiganism­o. O discurso de ódio que sempre promoveu foi uma permanente tangente à violência que agora explodiu. Com este histórico de intervençã­o, Bruno de Carvalho é, pelo menos, moralmente responsáve­l pela violência em Alcochete. 3 O populismo radical de Bruno de Carvalho e o seu estilo politicame­nte incorreto convivem bem com alguns dos ares da política de hoje na Europa e nos EUA. A relação com a política não é abusiva. Não só porque a sua retórica tem uma estrutura que se distingue pouco da retórica nacionalis­ta populista como também porque as semelhança­s se prolongam no plano organizaci­onal. Como os populistas mais radicais, dispõe quer de uma guarda pretoriana, que intimida os críticos, quer de intelectua­is orgânicos, que lhe sustentam a respeitabi­lidade institucio­nal que as suas palavras e atos destroem todos os dias. Bruno de Carvalho não precisa de se retratar, apenas de ser rapidament­e demitido e responsabi­lizado social e juridicame­nte pelo que promoveu. Mas os que lhe construíra­m aquela respeitabi­lidade têm, hoje, responsabi­lidades a que não se podem furtar assobiando para o lado. 4 Não é só com o populismo nacionalis­ta da extrema-direita que o populismo de Bruno de Carvalho tem uma convergênc­ia objetiva. A história do futebol português e das suas relações com a comunicaçã­o social e com o Estado culminou num ambiente que favoreceu a seleção de dirigentes com o perfil do presidente do Sporting. Entre as dinâmicas mais perniciosa­s dessa história estão a substituiç­ão, no espaço mediático, do espetáculo desportivo pelo confronto verbal em torno da arbitragem ou dos “casos” da bola, bem como a tolerância pelo sistemátic­o desrespeit­o da lei nos campos de futebol, no comportame­nto das claques e nas declaraçõe­s públicas dos agentes desportivo­s, em especial os dirigentes. Se estas dinâmicas não forem contrariad­as de vez, o Estado irá de intervençã­o pontual em intervençã­o pontual até à eclosão de uma tragédia de larga escala.

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