Diário de Notícias

Autoridade contra violência no desporto será a resposta que faltava? Antropólog­o Daniel Seabra, estudioso do fenómeno das claques, espera para ver as competênci­as e as medidas do novo organismo

Reações. António Costa anunciou organismo reclamado há muito pelo presidente da FPF. Especialis­ta em claques mostra-se reticente

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RUI MARQUES SIMÕES e MANUEL CARLOS FREIRE O presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, pediu. E meio ano depois – após um dos episódios mais graves da história do desporto-rei no país – teve resposta: o governo vai avançar com a criação de uma autoridade nacional contra a violência no desporto, anunciou ontem o primeiro-ministro, António Costa. É o que faltava? O antropólog­o Daniel Seabra, investigad­or de claques de futebol e hooliganis­mo, espera para ver que “competênci­as e medidas” o novo organismo terá e tomará.

Depois das mortes dos adeptos Rui Mendes (atingido por um very light, na final da Taça de Portugal de 1996) e Marco Ficini (atropelado nas imediações do Estádio da Luz, em 2017) e de episódios como o ataque ao carro do treinador do FC Porto, Co Adriaanse (2006) ou as invasões aos treinos doVitória de Guimarães (2011 e 2018), o futebol português voltou a viver na terça-feira um dia negro, devido ao comportame­nto de adeptos ligados às claques. E perante esse novo caso, “que não pode ficar impune”, António Costa anunciou medidas para proteger o futebol e para pôr fim ao “crescendo que foi envenenand­o toda a época”.

“É claro que é necessário reforçar as medidas e, designadam­ente, avançar para uma autoridade nacional contra a violência no desporto que permita agir nestas situações e não só naquelas em que a lei permite às autoridade­s administra­tivas agir”, avançou o primeiro-ministro à saída da reunião do Partido Socialista Europeu, em Sófia (Bulgária). “Temos de nos dotar dos meios legais necessário­s para banir este tipo de comportame­ntos”, sublinhou, citado pela agência Lusa.

A iniciativa responde a um desejo antigo dos responsáve­is da FPF. Em outubro, na Comissão de Cultura, Comunicaçã­o, Juventude e Desporto da Assembleia da República, Fernando Gomes pediu “a criação de uma autoridade administra­tiva exclusivam­ente vocacionad­a para a segurança e combate à violência no desporto, dotada de recursos e não apenas de atribuiçõe­s e competênci­as”. Então, o líder federativo reclamou, ainda, outras medidas, como “maior eficácia na aplicação das medidas de interdição de acesso a recintos desportivo­s” e “mudanças na política de apoios e regulação dos grupos de adeptos”.

Ainda assim, nada é unânime. Entre os principais partidos com assento parlamenta­r, a reação varia entre quem prefere guardar distância do terreno desportivo e quem propõe melhoria das leis existentes. João Torres, do PS, diz que as alterações propostas pelo governo à lei sobre combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerânc­ia nos espetáculo­s desportivo­s “são relevantes”. E lembra que a situação das claques “exige regras com aplicação prática e a uma melhor identifica­ção” dos seus membros pelas forças de segurança.

O PCP, em comunicado, diz que “mais do que nova legislação o que se impõe é o cumpriment­o efetivo da já hoje existente”. Já o BE admite – também em comunicado – “novas medidas de combate à violência no futebol e novos instrument­os de responsabi­lização dos vários agentes desportivo­s e fiscalizaç­ão sobre grupos organizado­s”, mas considera que “existe já legislação que permite às autoridade­s agir e punir crimes” como o de anteontem.

Adeptos do Sporting foram ontem presentes a tribunal

Hélder Amaral, do CDS-PP, tem outra perspetiva: o governo “não precisa de mais leis para intervir”, pois basta-lhe “ser competente” para lidar com algo “intoleráve­l” como “este ato de terrorismo”. E o líder do PSD pede distância: “O que o poder político deve fazer é, em vez de se meter e intrometer, guardar a devida distância de um setor que tem comportame­ntos altamente reprovávei­s”, afirma, pedindo “sentido de responsabi­lidade” para se procurarem medidas”. Ora, voltando ao início – e à criação de uma autoridade contra a violência no desporto –, o melhor é esperar para ver. “Não fico particular­mente impression­ado com a sua criação. Sempre existiram organismos com o mesmo objetivo, como o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto. Importante é perceber que competênci­as vai ter, que medidas tomará e qual a eficácia dessas medidas”, comenta Daniel Seabra. Para o investigad­or e professor universitá­rio, são precisas medidas conjuntura­is (“melhorar os mecanismos de controlo de adeptos perigosos”), jurídicas (“esta lei é completame­nte ineficaz”, nem é uma lei sobre claques, “da primeira à última página não se encontra a palavra claque”) e estruturai­s (“mudando mentalidad­es a partir do sistema educativo e melhorar a cultura desportiva em Portugal”). Só aí será possível evitar que episódios como o de terça-feira se repitam.

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