José Núncio Falta rumo e estratégia à gestão da água em Portugal
Crítico da ausência de um plano estratégico nacional para o regadio, José Núncio considera que estamos num momento decisivo ao nível da redefinição do orçamento da Política Agrícola Comum. Defende um reforço dos apoios ao regadio, que tenha em conta as condições específicas dos países da Europa do Sul. Na gestão dos recursos hídricos, onde estamos e para onde vamos? Como se está a gerir a água em Portugal? Boa pergunta, estamos aqui a falar do problema da água para rega, portanto, acho que está a ser gerida dentro do que é possível, tendo em conta as condições climatéricas. A nível de agricultura tivemos nos dois últimos anos o problema da seca. Uma situação que atinge ciclicamente os países mediterrânicos, como o nosso, e é uma situação com a qual temos de viver e com a qual temos vivido. Não é nenhuma novidade, pelo menos, as obras de rega já existem há mais de 60 anos. E as estruturas do Estado respondem às necessidades? Têm vindo a adaptar-se. Temos estruturas mais modernas, exemplo de Alqueva e de algumas obras mais recentes, que também têm rega sob pressão, mas a nível dos perímetros públicos mais antigos, realmente precisamos muito de obras de modernização, apesar do esforço que tem sido feito. Para ter uma ideia, dos anos 60 para agora, os níveis de consumo de água caíram para cerca de um terço. Enquanto os consumos médios de regadio por hectare em Portugal, de acordo com dados do INE, eram de cerca de 15 mil metros cúbicos por hectare, o último dado que temos do último Census indica que atualmente são de 6600 metros cúbicos por hectare, ou seja, quase um terço do consumo de água por hectare. Significa que estamos mais poupados? Significa que estamos muito mais eficientes, mas esta eficiência tem os seus custos. Enquanto nos anos 60 se consumiam 200 quilowatts (kW/hora) por hectare, hoje em dia consomem-se 1500 quilowatts/ /hora de energia por hectare. Por isso temos de gerir esta dualidade – água versus energia – que são as duas importantes, são as duas escassas e são dois recursos sobre os quais temos de nos preocupar, Portugal rega cerca de 550 mil hectares que são responsáveis por 60% da produção nacional. Portanto, 12% desta área de superfície agrícola útil são responsáveis por 60% da produção nacional, logo agricultura para produzir, tem de ser regada. Não há outra hipótese. Está na altura de começarmos a olhar para projetos, como aquele elaborado pelo engenheiro agrónomo de hidráulica, Jorge Froes, por iniciativa da Quinta da Lagoalva, produtora vinícola de Alpiarça – Projeto Tejo – para o aproveitamento hidráulico de fins múltiplos da região do Vale do Tejo e Oeste. O projeto vai ainda alterar um bocadinho o paradigma, porque não estamos a falar propriamente de aumentar a área regada, mas de modificar o acesso à água. O nosso problema é que temos de aumentar mais o armazenamento. Não podemos pensar de outra forma. Considera então que não há um plano estratégico nacional? Nada. É um problema grave que temos em Portugal. Não temos nenhum plano nacional de regadio. Existem alguns documentos a que chamam plano nacional de regadio, mas, na realidade, o documento que existe é sobre investimentos previstos do Estado. Não existe propriamente um plano estratégico que defina objetivos. Tem de se começar a pensar, onde é que se vai buscar a água, quanta água se vai usar, onde é que se deve armazenar, quais os objetivos que se devem definir, em termos de eficiência, hídrica e energética. Há uma série de questões que se devem acautelar, mesmo em termos de definir volumes máximos que se devem utilizar. As grandes obras normalmente têm capacidade para um ano e tal, daí a importância da regulação interanual. Quanto a futuras opções orçamentais nacionais e europeias passarão por um compromisso de investimento para a próxima década? Isso é o que nos preocupa. Daí ter- mos constituído estas organizações, não só nacionais mas também termos avançado para a criação de uma organização internacional, a nível europeu, porque a preocupação não é só nossa. Espanha, Itália e França têm os mesmos problemas, pois tal como nós, têm influência mediterrânica e deparamo-nos com uma Europa gerida pelos países do norte, que têm excesso de água. Por sorte, ou azar, as alterações climáticas podem ter-nos dado uma mãozinha neste sentido. Como assim? Estamos numa altura de plena discussão do novo quadro comunitário de apoio para a agricultura e é preciso que sejam mantidos e reforçados os apoios ao regadio, quer a nível particular quer coletivo. Não só. Também a nível de condições e de autorizações necessárias que são muito condicionadas pela diretiva-quadro da água, uma vez que as restrições nela contidas são feitas muito à imagem dos países do norte da Europa e é preciso que passem a ter uma visão mais regional.
“Na bacia do Sado, Alqueva só é solução se a água chegar a preços acessíveis. Fizémos uma proposta, mas a resposta da tutela não foi a que queriamos ouvir” JOSÉ NÚNCIO PRESIDENTE DA FENAREG
Que nessa diretiva se defina que as limitações que temos aqui (no sul da Europa) não são precisamente as mesmas, a nível ambiental, das que existem no norte do continente europeu. Na estratégia da água poderia haver um plano de energia específico desenvolvido para a agricultura? As soluções existem, são conhecidas. Agora, são precisos meios para as implementar e vontade de as apoiar. Há pouco falei dos níveis de consumo de água que caíram para cerca de um terço por hectare comparativamente com a década de 60. Em contrapartida subiu exponencialmente o consumo de energia, logo muito mais poderá ser feito ao nível da energia. A começar pela taxa de potência anual, podemos estar a falar da redução do custo da rega na ordem dos 20% a 30% se as taxas fossem sazonais. Outra penalização, a taxa de recursos hídricos. Não compreendo que num ano de seca, numa bacia com mais escassez de água, em que o agricultor tem de regar durante muito mais tempo, seja penalizado por essa taxa. É um contrassenso, porque a taxa deveria ser atenuada. Há mais. Criou-se um fundo de proteção de recursos hídricos, para o qual todos contribuímos (em nossas casas e na agricultura), que deveria ter o seu retorno e ser utilizado na beneficiação dos próprios recursos hídricos nacionais e não vemos retorno nenhum dessa aplicação. E os preços da água são adequados? O que consideramos que não está acessível é, por exemplo, o preço de distribuição a outros reservatórios, na área de influência do Alqueva, como a bacia do Sado, que desde 2006 está ao nível 3 de seca hidrológica e tem graves problemas de escassez de água. Aqui, o Alqueva só é solução se a água chegar a preços acessíveis. Nós fizemos uma proposta de um preço médio em redor dos dois cêntimos por metro cúbico, mas a resposta da tutela não foi aquela que queríamos ouvir. Foi-nos dito que não há condições, nesta altura, para