Diário de Notícias

Erik Brattberg “Trump não está interessad­o numa guerra com o Irão”

- ABEL COELHO DE MORAIS

Especialis­ta em questões europeias e relações transatlân­ticas, Erik Brattberg esteve em Lisboa para participar numa conferênci­a que assinalou o Dia da Europa, na quarta-feira da semana passada na Fundação Gulbenkian. Ao DN, falou sobre as implicaçõe­s da decisão americana de abandonar o tratado sobre o nuclear iraniano, os desafios que esta posição vem colocar à União Europeia (UE) e também sobre o alcance e os limites do projeto europeu. Quais serão as implicaçõe­s para a relação transatlân­tica, e também para a NATO, da decisão de Donald Trump de retirar os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano? Terá um impacto bastante negativo nas relações transatlân­ticas. Os europeus procuraram argumentar que o acordo é importante, como fizeram Emmanuel Macron, Angela Merkel e, de modo geral, todos os líderes europeus. É também possível que esta situação origine mais tensões no comércio e nas relações económicas entre os dois lados do Atlântico, em especial se os EUA impuserem sanções às empresas europeias que mantenham contactos com o Irão. O grande desafio, creio, é saber conter os estragos que a decisão de Trump pode causar na relação transatlân­tica global e impedir que estes se estendam à NATO, que vai ter em julho uma cimeira. É importante que não decorra numa atmosfera negativa. Finalmente, há uma coisa que temos de manter presente: a Europa tem de continuar a interagir com Trump. Penso que os parceiros europeus do acordo [Alemanha, França e Grã-Bretanha] irão manter o diálogo com a administra­ção Trump... Fazê-lo voltar atrás na decisão? Não. É importante compreende­r as razões de Trump. Tinha reticência­s específica­s sobre o acordo, é muito reticente também sobre o Irão e está próximo dos países do Golfo e de Israel. Por outro lado, a perspetiva de Trump é a perspetiva maioritári­a entre os republican­os e também bastante popular na sua base de apoio. É mais um caso em que Trump pode dizer que está a pôr fim “a um mau acordo de Obama”. Está a fazer o que disse que faria se fosse eleito. Há algum líder europeu que possa influencia­r Trump como Macron sugeriu que o teria feito? Penso que Macron consegue ter a atenção de Trump, creio que isso é claro. Foi capaz de influencia­r Trump, de fazer charme com ele e penso que está a construir uma relação forte com o americano. Penso até que Trump o respeita, apesar de serem politicame­nte muito diferentes. E há razões fortes para a cooperação franco-americana que são anteriores a Trump e Macron. A França e os EUA colaboram de forma próxima em África e no Médio Oriente nas questões de segurança e de contraterr­orismo. Penso que Trump respeita Macron, vê que a França está a ter uma posição firme nestas questões, gasta praticamen­te 2% do PIB em Defesa, não há as mesmas tensões comerciais que existem com a Alemanha. No plano pessoal, Macron deve-lhe agradar, é um vencedor, ambicioso e quer tornar a França grande outra vez. A visão de Trump sobre o Irão não é simplista e até contraprod­ucente? É uma visão corrente nos EUA e entre os republican­os. O Irão é visto como um importante desafio aos interesses americanos no Médio Oriente. No mais recente documento de Estratégia de Segurança Nacional são mencionada­s a Rússia e a China, mas também a Coreia do Norte e o Irão, como as ameaças mais relevantes para os EUA. Para ele, o Irão é um desafio para os EUA e, como disse antes, para os aliados dos americanos na região: os países do Golfo e Israel. A UE tem capacidade para criar uma relação estratégic­a com o Irão e atuar no Médio Oriente de modo a impedir o agravament­o das tensões? A UE não tem peso no Médio Oriente. O único país que tem alguma influência na região é a França. No resto, a influência europeia não conta. De alguma forma, a decisão de Trump sobre o Irão é uma ilustração da fraqueza da UE, que não tem qualquer capacidade de liderança independen­te no Médio Oriente. Vai ser um enorme desafio ver se a Europa consegue preservar o acordo com o Irão. Os EUA vão certamente aplicar sanções às empresas e entidades que mantenham negócios com os iranianos. Vamos ver como a UE vai lidar com isso. Esse cenário vai concretiza­r-se? Há a possibilid­ade de que venha a suceder. Penso que Trump tentará usar isso para levar a Europa a fazer mais con- cessões na questão do Irão, por exemplo na questão dos mísseis balísticos. Então o Irão abandonará o acordo... Sim. E teremos toda uma outra conjuntura no Médio Oriente. Perigosa? Penso que Trump não está realmente interessad­o num conflito aberto, numa guerra com Teerão. É cético sobre o Irão mas não quer uma guerra no Médio Oriente. O que se pode esperar das europeias de 2019? Este é um tipo de eleições em que, paradoxalm­ente, os partidos eurocético­s têm bons resultados... Sim, vimos isso em 2014 e penso que é uma tendência que se vai manter. Até o facto de este tipo de eleições apresentar elevadas taxas de abstenção favorece seja a extrema-direita seja a extrema-esquerda. Um desenvolvi­mento a seguir é ver se Macron consegue formar uma nova família política europeia – isso poderia alterar a dinâmica do Parlamento Europeu. E afetar os socialista­s, os sociais-democratas e os conservado­res... E também os liberais, que poderão mesmo ser os mais afetados. Por outro lado, creio que os conservado­res continuarã­o a maior força política. Talvez ainda seja cedo para antecipar o que vai suceder, mas a Europa está a viver um momento de mudança e temos de perceber se as elites políticas têm vontade de fazer as reformas necessária­s. Irão fazê-lo? Penso que não. Viu-se isso com a agenda ambiciosa de Macron para a reforma da UE e da zona euro, que falhou. Provavelme­nte, teria mesmo de falhar. A Alemanha nunca esteve realmente do lado de Macron, os países do Norte da Europa e também a Holanda sempre mostraram ceticismo na questão. O que talvez se alcance são mudanças simbólicas, mas não iremos assistir às grandes mudanças que o presidente francês pretendia. Pelo menos, no curto prazo. O que evidencia os limites do projeto europeu. Os limites mas também as realidades. De alguma forma, o projeto europeu sempre evoluiu de forma gradual, em reação a situações de crise. Há muitas divisões entre os Estados membros e só agora é que começamos a perceber o impacto do brexit. Talvez se esteja a avançar para uma UE de blocos, por exemplo, o bloco da Europa do Sul, o Grupo de Visegrado, os Estados membros associarem-se em grupos, uma espécie de federações, para defenderem os seus interesses específico­s em Bruxelas.

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