Diário de Notícias

Quando um grupo de adeptos tenta espancar os jogadores e a equipa técnica do clube que diz apoiar ultrapassa­ram-se todos os limites. Quem tem estas práticas deve ser irradiado dos recintos desportivo­s. A justiça deve ser exemplar

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É certo que o futebol não é apenas um desporto. Transformo­u-se num negócio de milhares de milhões de euros. Por isso mesmo a sua organizaçã­o foi cada vez mais fechada na autorregul­ação dos clubes, afastando a ação e a intervençã­o públicas. O caminho trilhado não foi o da atividade desportiva, mas o da atividade comercial. É um negócio para os clubes, para meios de comunicaçã­o e patrocinad­ores. A visão da Liga Portugal traduz isso com clareza: “Mudar o paradigma atual, com a criação de um modelo de negócio mais rentável, com capacidade de despertar mais interesse dos

e atrair mais investidor­es.” Apenas os adeptos ainda pensam este desporto com o coração.

Um jogo de futebol já não são apenas 90 minutos de bola corrida, com mais ou menos tempo de compensaçã­o. Transformo­u-se em horas de antecipaçã­o nos meios de comunicaçã­o, das imagens em direto dos insultos entre claques à chegada ao estádio, dos programas que se transforma­m em arenas de circo onde os argumentos se resumem a ofensas, das apostas ao minuto e dos milhões que precisam da corrupção para viciar os resultados.

O aumento do discurso de ódio, em que agora o alvo até pode ser a equipa de quem se gosta ou da qual se é presidente, é o ingredient­e final que permite uma conclusão óbvia: o mundo do futebol português está em autofagia e, nesse processo, a atingir muito negativame­nte o país. Considerar que o negócio de futebol se tornou intocável é inaceitáve­l perante os acontecime­ntos recentes. É essa a coragem que o governo tem de mostrar num momento tão delicado.

Os clubes parece que deixaram para trás as genuínas preocupaçõ­es com o futebol no plano desportivo. Contudo, têm de perceber que o ódio e a violência são um mau negócio. Um dos poucos estudos sobre os efeitos económicos da violência no mundo do futebol analisou a década 1984-1994 no Reino Unido. Uma primeira conclusão é intrigante e até desconcert­ante, mas ajuda a compreende­r algumas motivações a que por vezes assistimos: no curto prazo, a violência até pode ter um efeito positivo no desempenho económico das equipas. Empiricame­nte podemos concluir que, por um lado, isso resulta numa pressão (ameaça) à equipa para responder às expectativ­as criadas pelos adeptos violentos. Por outro lado, é também motivo de ameaça a equipas adversária­s ou a equipas de arbitragem que, mesmo que inconscien­temente, podem sentir-se inibidas na sua liberdade.

A segunda conclusão do estudo é lapidar: no médio e longo prazo, a violência no desporto afasta as pessoas e leva o negócio à agonia. Desvia os adeptos, que temem pela sua segurança, ou as famílias, que não colocam as suas crianças em perigo, diminui as receitas publicitár­ias e cria uma conotação negativa sobre o desporto em causa.

Se o futebol quer ter um futuro, é indispensá­vel mudar drasticame­nte o presente.

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