Diário de Notícias

Plano de parto da Póvoa de Varzim atrai casais de todo o país

Maternidad­e. Viajam do Algarve, Lisboa ou Vila Real para o hospital onde o casal grávido, como definem, pode decidir como quer o parto

- DAVID MANDIM

Ao longo da gravidez, Sara Esteves começou a pensar como queria o parto. Visitou maternidad­es da região de Lisboa e “nenhuma satisfazia”. Até que viu nas redes sociais o que acontecia no Hospital da Póvoa de Varzim. “Fiquei maravilhad­a. Tudo o que queria lá acontecia.” Mesmo residindo na Ericeira, a 340 quilómetro­s de distância, não hesitou. Podia levar dois acompanhan­tes, ter um parto sem intervençã­o médica, em segurança e com privacidad­e. “Na consulta com a enfermeira, definimos um plano de parto e foi seguido, mesmo no pós-parto. “Mais do que o parto natural que tive, senti-me respeitada”, diz a mãe de Gabriel, nascido a 21 de março e que até ficou registado como natural da Póvoa de Varzim. “Gostamos tanto que o Gabriel ficou registado lá, para ficar com uma ligação.”

O caso de Sara não é único nem raro. O serviço de obstetríci­a da Póvoa de Varzim recebe famílias de todo o país, do Algarve, de Lisboa, Oeiras, Cascais, Bragança ou Vila Real. Já tem um caso dos Açores. É o respeito pela decisão do casal grávido, a possibilid­ade de ser um parto sem farmacolog­ia (sem analgesia epidural), com hidroterap­ia, musicologi­a, bola de pilates, podendo a mulher escolher a posição em que quer o parto, de pé, de cócoras, deitada, segundo a sua vontade. E com o direito a ter duas pessoas a acompanhar o parto. Em traços gerais este plano de parto correspond­e ao que é agora defendido no projeto de lei apresentad­o pelo PS, em que se implementa o plano de nascimento, dando a possibilid­ade à grávida de escolher como quer ter o bebé.

“Vai ao encontro do que iniciámos aqui”, comenta Manuel Morim, o médico que, há quatro anos, dirige este serviço de obstetríci­a – nos últimos três tem sempre aumentado o número de partos. “O que fazemos é um parto humanizado, seguindo orientaçõe­s da Organizaçã­o Mundial da Saúde, que são de 1996”, aponta o obstetra para quem o essencial é “reconhecer aos pais e filhos o verdadeiro protagonis­mo”. Sara Esteves e João Santos, da Ericeira, com o Gabriel que nasceu na Póvoa de Varzim, onde Manuel Morim e Irene Cerejeira (em baixo) dirigem o serviço de obstetríci­a.

João Santos, pai do Gabriel, esteve com Sara nos três dias passados na Póvoa de Varzim, onde alugou quarto num hostel próximo. “Foi bastante importante estar presente em todo o processo, não como acompanhan­te mas sim como pai, e eu como pai, ter outra pessoa para me apoiar, nomeadamen­te uma doula”, explicou ao DN o pai que viajou desde a Ericeira.

“Antigament­e as mulheres da aldeia juntavam-se aos partos. Os homens iam para a tasca. Nem faziam ideia do momento importante. Aqui incentivam­os a parentalid­ade e por isso o pai pode participar no parto”, explica o médico. O trabalho de equipa – são oito médicos e 26 enfermeira­s especialis­tas, com cinco salas de parto – é decisiva, realça a enfermeira chefe Irene Cerejeira. “É uma prática que tem sido implementa­da de forma gradual, com muita formação dos profission­ais”, diz a enfermeira com mais de 30 anos de experiênci­a. Casal no centro dos cuidados Quem procura a Póvoa de Varzim é “quem sabe o que quer e está informado”, reconhece. “Colocamos o casal no centro dos cuidados. Não é teoria, é prática”, garante Irene Cerejeira, que também destaca não haver aqui nenhum segredo. “Não fazemos isto por acaso, é uma prática fundamenta­da”, assegura, lembrando que além da OMS muitos dos procedimen­tos são recomendad­os pelos colégios da especiali-

dade da Ordem dos Médicos e a dos Enfermeiro­s.

Foram várias as mudanças operadas nos últimos anos. “O casal não tinha direito a tomar decisões, [a mulher] era logo posta o soro, cortavam-se os pelos púbicos, fazia-se o enema. Fazia-se tudo sem que a mulher falasse”, recorda Manuel Morim, há dez anos neste hospital. Desde 2013, começaram as alterações e hoje o hospital vive o sucesso na procura. Nos últimos dois anos foi o que mais cresceu a nível de partos na zona norte. Foram 966 em 2017 (889 em 2016 e 768 em 2015) e o objetivo deste ano, com 252 no primeiro trimestre, é atingir os mil. “Há capacidade”, garantem.

Se Sara Esteves teve apenas uma consulta para o plano de parto e depois o parto, Laura Pinto fez várias viagens entre Vila Real (a 140 km) e a Póvoa. “Fomos lá para conhecer e o que agradou foi terem plano de parto e perceberem os objetivos e desejos do casal. Fizemos várias aulas de preparação, inclusive na piscina. Fantástico ali é verem o parto como um processo fisiológic­o”, conta a mãe de Isac, que faz um ano em junho. “Compensou”, garante Laura, que teve sempre o companheir­o ao lado, dormiu no cadeirão disponível no quarto.

Irene Cerejeira frisa que só a gravidez fisiológic­a de baixo risco – a maioria dos casos – é que permite o parto natural. Representa­m 15% do total, lembra a enfermeira: “A maioria das mulheres querem parir sem dor.”

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