Plano de parto da Póvoa de Varzim atrai casais de todo o país
Maternidade. Viajam do Algarve, Lisboa ou Vila Real para o hospital onde o casal grávido, como definem, pode decidir como quer o parto
Ao longo da gravidez, Sara Esteves começou a pensar como queria o parto. Visitou maternidades da região de Lisboa e “nenhuma satisfazia”. Até que viu nas redes sociais o que acontecia no Hospital da Póvoa de Varzim. “Fiquei maravilhada. Tudo o que queria lá acontecia.” Mesmo residindo na Ericeira, a 340 quilómetros de distância, não hesitou. Podia levar dois acompanhantes, ter um parto sem intervenção médica, em segurança e com privacidade. “Na consulta com a enfermeira, definimos um plano de parto e foi seguido, mesmo no pós-parto. “Mais do que o parto natural que tive, senti-me respeitada”, diz a mãe de Gabriel, nascido a 21 de março e que até ficou registado como natural da Póvoa de Varzim. “Gostamos tanto que o Gabriel ficou registado lá, para ficar com uma ligação.”
O caso de Sara não é único nem raro. O serviço de obstetrícia da Póvoa de Varzim recebe famílias de todo o país, do Algarve, de Lisboa, Oeiras, Cascais, Bragança ou Vila Real. Já tem um caso dos Açores. É o respeito pela decisão do casal grávido, a possibilidade de ser um parto sem farmacologia (sem analgesia epidural), com hidroterapia, musicologia, bola de pilates, podendo a mulher escolher a posição em que quer o parto, de pé, de cócoras, deitada, segundo a sua vontade. E com o direito a ter duas pessoas a acompanhar o parto. Em traços gerais este plano de parto corresponde ao que é agora defendido no projeto de lei apresentado pelo PS, em que se implementa o plano de nascimento, dando a possibilidade à grávida de escolher como quer ter o bebé.
“Vai ao encontro do que iniciámos aqui”, comenta Manuel Morim, o médico que, há quatro anos, dirige este serviço de obstetrícia – nos últimos três tem sempre aumentado o número de partos. “O que fazemos é um parto humanizado, seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde, que são de 1996”, aponta o obstetra para quem o essencial é “reconhecer aos pais e filhos o verdadeiro protagonismo”. Sara Esteves e João Santos, da Ericeira, com o Gabriel que nasceu na Póvoa de Varzim, onde Manuel Morim e Irene Cerejeira (em baixo) dirigem o serviço de obstetrícia.
João Santos, pai do Gabriel, esteve com Sara nos três dias passados na Póvoa de Varzim, onde alugou quarto num hostel próximo. “Foi bastante importante estar presente em todo o processo, não como acompanhante mas sim como pai, e eu como pai, ter outra pessoa para me apoiar, nomeadamente uma doula”, explicou ao DN o pai que viajou desde a Ericeira.
“Antigamente as mulheres da aldeia juntavam-se aos partos. Os homens iam para a tasca. Nem faziam ideia do momento importante. Aqui incentivamos a parentalidade e por isso o pai pode participar no parto”, explica o médico. O trabalho de equipa – são oito médicos e 26 enfermeiras especialistas, com cinco salas de parto – é decisiva, realça a enfermeira chefe Irene Cerejeira. “É uma prática que tem sido implementada de forma gradual, com muita formação dos profissionais”, diz a enfermeira com mais de 30 anos de experiência. Casal no centro dos cuidados Quem procura a Póvoa de Varzim é “quem sabe o que quer e está informado”, reconhece. “Colocamos o casal no centro dos cuidados. Não é teoria, é prática”, garante Irene Cerejeira, que também destaca não haver aqui nenhum segredo. “Não fazemos isto por acaso, é uma prática fundamentada”, assegura, lembrando que além da OMS muitos dos procedimentos são recomendados pelos colégios da especiali-
dade da Ordem dos Médicos e a dos Enfermeiros.
Foram várias as mudanças operadas nos últimos anos. “O casal não tinha direito a tomar decisões, [a mulher] era logo posta o soro, cortavam-se os pelos púbicos, fazia-se o enema. Fazia-se tudo sem que a mulher falasse”, recorda Manuel Morim, há dez anos neste hospital. Desde 2013, começaram as alterações e hoje o hospital vive o sucesso na procura. Nos últimos dois anos foi o que mais cresceu a nível de partos na zona norte. Foram 966 em 2017 (889 em 2016 e 768 em 2015) e o objetivo deste ano, com 252 no primeiro trimestre, é atingir os mil. “Há capacidade”, garantem.
Se Sara Esteves teve apenas uma consulta para o plano de parto e depois o parto, Laura Pinto fez várias viagens entre Vila Real (a 140 km) e a Póvoa. “Fomos lá para conhecer e o que agradou foi terem plano de parto e perceberem os objetivos e desejos do casal. Fizemos várias aulas de preparação, inclusive na piscina. Fantástico ali é verem o parto como um processo fisiológico”, conta a mãe de Isac, que faz um ano em junho. “Compensou”, garante Laura, que teve sempre o companheiro ao lado, dormiu no cadeirão disponível no quarto.
Irene Cerejeira frisa que só a gravidez fisiológica de baixo risco – a maioria dos casos – é que permite o parto natural. Representam 15% do total, lembra a enfermeira: “A maioria das mulheres querem parir sem dor.”