Diário de Notícias

Retorno do FMI à Argentina traz cortes e más memórias

Ajuda. Buenos Aires e o Fundo Monetário Internacio­nal estão a discutir um programa de auxílio que prevê a redução da despesa e da dívida pública. A população já protesta nas ruas

- MARIA CAETANO

Na Argentina, uma ajuda do FMI continua ainda a soar a más notícias. E a perspetiva de um ajustament­o profundo da economia tem vindo a ser contestada nas ruas. Mas perante um choque cambial cuja energia ainda só terá sido parcialmen­te dispersada, e que já fez elevar a taxa de juro diretora do país para 40%, a Argentina recorre agora ao fundo de má memória.

O programa que está a ser negociado será de natureza excecional, com acesso a montantes elevados de ajuda – o país espera ter até 30 mil milhões de dólares –, mas também com um nível maior de intervençã­o do fundo de Washington. Prevê que a Argentina corte na despesa e na dívida pública para garantir o financiame­nto.

A intervençã­o chega no fim da abordagem gradualist­a do presidente Mauricio Macri, que procu- rava acomodar reformas com a despesa, enquanto o banco central recorria às reservas externas para conter o naufrágio do peso, a perder mais de 30% do seu valor frente a um dólar num curso de normalizaç­ão monetária.

A crise cambial, associada ao retorno do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), tem contribuíd­o para o agitar das piores memórias de 2001, quando a bancarrota do país congelou depósitos no famoso corralito e levou a Argentina a atravessar um purgatório de mais de uma década fora dos mercados internacio­nais.

Para Ernesto Revilla, economista chefe para a América Latina do banco de investimen­to Citi, o programa que começou a ser negociado em pormenor na última sexta-feira representa “muito boas notícias”. “Há dinâmica para que a comunidade internacio­nal apoie a Argentina no seu programa de reformas”, diz ao DN/Dinheiro Vivo.

“A Argentina tem estado, claramente, numa situação difícil nas últimas duas semanas. Agora vemos que a situação estabilizo­u significat­ivamente”, defende o economista. O país conseguiu captar o interesse dos investidor­es internacio­nais para uma emissão de dívida denominada na moeda local, com o nível de juros a superar as perspetiva­s de desvaloriz­ação do peso. Foi também possível estender o prazo das chamadas Lebac, notas de dívida de curto prazo que o banco central tem.

A reação dos argentinos, maioritari­amente contra o pedido de ajuda ao FMI, poderá no entanto conter o ritmo de reformas que forem desenhadas por Macri e pela instituiçã­o.

“Há essa possibilid­ade. E, certamente, foi uma decisão difícil pedir ajuda, mas creio que foi a opção certa”, diz Revilla.

Maria Amélia Valle-Flor, especialis­ta em economia do desenvolvi­mento com uma tese sobre a crise vivida pela Argentina há 17 anos, afirma que a situação do país é hoje muito diferente da de 2001, havendo uma taxa de câmbio flutuante, depósitos em pesos e não dólares, e estando a dívida pública maioritari­amente com o banco central.

Mas “o país continua a apresentar problemas estruturai­s, nomeadamen­te uma grave dependênci­a dos fluxos de capital externos, uma alta taxa de inflação de 25% e défices na sua balança comercial e orçamental”.

“A necessidad­e de recorrer a novos financiame­ntos do FMI é urgente”, defende. E, desta vez, poderá ser diferente. “Se por um lado a atuação do organismo na Argentina deixou uma marca profunda de desagrado, também os fundamento­s económicos do país no presente levam a que o Fundo faça uma forte reflexão sobre os mesmos”, diz Maria Amélia Valle-Flor.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal