O dinheiro que devíamos discutir
Dia 7 de junho vai finalmente saber-se qual é a proposta da Comissão Europeia para o programa que vai suceder ao Horizonte 2020 – o Horizonte Europa –, o programa europeu que financia investigação e inovação. Por Bruxelas e pelas capitais europeias circulam várias versões e para já sabem-se algumas coisas, a mais importante de todas que o orçamento (se aprovado) vai passar dos atuais 77 mil milhões para cerca de 97 mil milhões de euros. Mas isso não é, mesmo nada, tudo.
Quem tenha ouvido o comissário Moedas nos últimos tempos antecipa algumas das ideias que lá estarão (a começar pela maior visibilidade ao que é financiado pela Europa ou em pôr objetivos claros nos programas – como acabar com os plásticos nos oceanos em 12 anos), o que é, ainda assim, apenas uma parte da história. A proposta que a Comissão vai publicar, e que teve já o contributo de várias conversas e reuniões com a indústria e a ciência, vai depois ter de ser aprovada pelos governos nacionais e pelo Parlamento Europeu. Só então será lei.
Desde que este processo começou, e sobretudo nesta reta final, os vários e legítimos grupos de interesse de diferentes setores, temas ou nacionalidades têm-se empenhado em fazer chegar à Comissão e aos seus governos notícia do que mais lhes interessa, preocupa ou entusiasma. Todos? Uns mais do que outros, certamente. Alguns quase nada, infelizmente. E Portugal, o que quer? Mais combinação de subsídios com financiamento privado? Menos ou mais indústria? Maior papel para a inovação incremental, ou apostar quase tudo na inovação disruptiva? Precisamos de parcerias fora da Europa com países industrializados, ou nem por isso?
Claro que o governo, e quem o aconselha, terá as suas ideias sobre o assunto. Mas a resposta à pergunta não pode ser só essa. A maneira como vai ser distribuído este orçamento reforçado não é neutra. E ainda que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenha as suas posições, convinha que a investigação e a indústria portuguesas também tivessem. Não se trata aqui de ter opiniões genéricas sobre como pode ser bonito o futuro da investigação e inovação, ou de como é importante que haja mais dinheiro e parcerias entre universidades e empresas. A quem quer influenciar alguma coisa exige-se um pouco mais do que isso. Exigem-se prioridades, propostas e estratégias para fazê-las passar.
O retalho, que em tempos foi um parente pobre destes financiamen- tos, tem uma opinião? Na nossa mítica aposta no mar e nas indústrias marítimas, sabem como é que lhes seria mais útil que o programa fosse? A indústria farmacêutica tem opinião nacional? E na mobilidade, elétrica ou não, em que temos tantos atores, há um pensamento comum?
Ter um português comissário europeu da Investigação e Inovação não serve para Portugal sacar mais dinheiro dos fundos europeus. Além de tudo o mais, isso nem depende do comissário. Mas serve, e serviu, para que esse financiamento fosse mais visível em Portugal, que os portugueses participassem mais (o que aconteceu) e, agora sim, para que fosse mais natural aos portugueses participar na discussão fundamental sobre como vai ser usado o dinheiro no futuro. Se o fazemos ou não, depende de nós. Mas suspeito que estamos distraídos com coisas muito mais importantes.