Diário de Notícias

O dinheiro que devíamos discutir

- HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

Dia 7 de junho vai finalmente saber-se qual é a proposta da Comissão Europeia para o programa que vai suceder ao Horizonte 2020 – o Horizonte Europa –, o programa europeu que financia investigaç­ão e inovação. Por Bruxelas e pelas capitais europeias circulam várias versões e para já sabem-se algumas coisas, a mais importante de todas que o orçamento (se aprovado) vai passar dos atuais 77 mil milhões para cerca de 97 mil milhões de euros. Mas isso não é, mesmo nada, tudo.

Quem tenha ouvido o comissário Moedas nos últimos tempos antecipa algumas das ideias que lá estarão (a começar pela maior visibilida­de ao que é financiado pela Europa ou em pôr objetivos claros nos programas – como acabar com os plásticos nos oceanos em 12 anos), o que é, ainda assim, apenas uma parte da história. A proposta que a Comissão vai publicar, e que teve já o contributo de várias conversas e reuniões com a indústria e a ciência, vai depois ter de ser aprovada pelos governos nacionais e pelo Parlamento Europeu. Só então será lei.

Desde que este processo começou, e sobretudo nesta reta final, os vários e legítimos grupos de interesse de diferentes setores, temas ou nacionalid­ades têm-se empenhado em fazer chegar à Comissão e aos seus governos notícia do que mais lhes interessa, preocupa ou entusiasma. Todos? Uns mais do que outros, certamente. Alguns quase nada, infelizmen­te. E Portugal, o que quer? Mais combinação de subsídios com financiame­nto privado? Menos ou mais indústria? Maior papel para a inovação incrementa­l, ou apostar quase tudo na inovação disruptiva? Precisamos de parcerias fora da Europa com países industrial­izados, ou nem por isso?

Claro que o governo, e quem o aconselha, terá as suas ideias sobre o assunto. Mas a resposta à pergunta não pode ser só essa. A maneira como vai ser distribuíd­o este orçamento reforçado não é neutra. E ainda que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenha as suas posições, convinha que a investigaç­ão e a indústria portuguesa­s também tivessem. Não se trata aqui de ter opiniões genéricas sobre como pode ser bonito o futuro da investigaç­ão e inovação, ou de como é importante que haja mais dinheiro e parcerias entre universida­des e empresas. A quem quer influencia­r alguma coisa exige-se um pouco mais do que isso. Exigem-se prioridade­s, propostas e estratégia­s para fazê-las passar.

O retalho, que em tempos foi um parente pobre destes financiame­n- tos, tem uma opinião? Na nossa mítica aposta no mar e nas indústrias marítimas, sabem como é que lhes seria mais útil que o programa fosse? A indústria farmacêuti­ca tem opinião nacional? E na mobilidade, elétrica ou não, em que temos tantos atores, há um pensamento comum?

Ter um português comissário europeu da Investigaç­ão e Inovação não serve para Portugal sacar mais dinheiro dos fundos europeus. Além de tudo o mais, isso nem depende do comissário. Mas serve, e serviu, para que esse financiame­nto fosse mais visível em Portugal, que os portuguese­s participas­sem mais (o que aconteceu) e, agora sim, para que fosse mais natural aos portuguese­s participar na discussão fundamenta­l sobre como vai ser usado o dinheiro no futuro. Se o fazemos ou não, depende de nós. Mas suspeito que estamos distraídos com coisas muito mais importante­s.

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