Diário de Notícias

O novo 11 de Março

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APEDRO MARQUES

LOPES verdadeira história da vaga de privatizaç­ões dos tempos da troika ainda está por fazer. O processo está envolto numa nuvem de dúvidas e a documentaç­ão sobre os vários processos é escassa. Lembro um documento de 2015 do Tribunal de Contas em que se colocavam sérias dúvidas sobre a atuação da Parpública, holding que gere as participaç­ões empresaria­is do Estado, nomeadamen­te no que diz respeito às sétima e oitava fases de privatizaç­ão da EDP e da segunda da REN.

O TC lançava reparos à falta de transparên­cia na escolha dos consultore­s, a falhas importante­s de informação e salientava que “numa perspetiva de racionalid­ade financeira o timing imposto” para a concretiza­ção da privatizaç­ão represento­u para o Estado “um custo de oportunida­de” por terem sido realizadas num “enquadrame­nto económico muito negativo”, ao que se soma “a perda de dividendos futuros, anualmente distribuíd­os por estas empresas”.

O período de aperto financeiro por que estávamos a passar teve uma quota importante em praticamen­te todas as decisões que o governo dessa altura teve de tomar. Mas a verdade é que os governante­s da altura aproveitar­am a ocasião para concretiza­r planos com muita ideologia e pouca atenção à realidade.

O que hoje sabemos é que à custa desse aperto financeiro não só perdemos os anéis como também os dedos. E não se infira que o autor desta artigo é a favor do Estado-empresário. Muito pelo contrário. O que está em causa é, por um lado, a forma negligente e obscura como os processos de privatizaç­ão foram feitos e, por outro, a maneira como não se olhou para a diferente natureza das empresas a privatizar ou sequer em manter algum controlo político sobre as estratégic­as para o país.

Aliás, a negligênci­a nas privatizaç­ões em Portugal é uma espécie de traço distintivo destes processos. As que acontecera­m durante o cavaquismo – e que era urgente serem feitas e visavam corrigir os crimes das nacionaliz­ações do período pós-25 de Abril – foram um monumento ao que agora se chama promiscuid­ade entre poder político e económico. Digamos que um olhar atento ao que aconteceu entre 1992 e 1999 faria que aquilo a que hoje chamamos escândalos parecessem pequenas falhas. No entanto, é de justiça recordar que nessas privatizaç­ões nunca se optou por vender a privados tudo de uma vez e nunca se avançou para empresas que atuassem, por exemplo, em monopólios naturais.

Há uma passagem no citado documento do Tribunal de Contas que deve ser recordada e que amiúde entra no nosso dia-a-dia e ameaça entrar mais: “No decreto de privatizaç­ão da EDP e da REN e o acordo de venda e de parceria estratégic­a ... não foi prevista qualquer cláusula de penalizaçã­o para o seu incumprime­nto, pelo que, nestes dois processos, não foram tomadas medidas legislativ­as que acautelass­em os interesses estratégic­os do Estado português após a conclusão do processo de privatizaç­ão” (retirado de um artigo do Público de 29 de julho de 2015 de Ana Brito).

Tudo isto a propósito da anunciada oferta pública de aquisição do capital da EDP. Melhor dito, do resto do capital que ainda não estava nas mãos do Estado chinês, que já detinha cerca de 28%. Com esta operação que – mais euro menos euro por ação – terá brevemente o seu epílogo, a China torna-se proprietár­ia de 100% a EDP e, claro, mantém o controlo da REN. Ou seja, a China manda em tudo o que diz respeito à produção e distribuiç­ão de energia elétrica em Portugal. A privatizaç­ão da REN foi um verdadeiro crime contra o interesse público. Privatizar um monopólio natural é-o sempre, sobretudo sem, como diz o TC, se acautelare­m os interesses estratégic­os do país. E diz-nos a experiênci­a de variadíssi­mos países que não há concessão nem regulação que proteja dos desmandos, esses ainda mais naturais. A privatizaç­ão da REN seria sempre – ainda para mais da forma que foi – um crime de lesa-pátria fosse qual fosse o comprador. Já a da EDP pode ser discutida, sempre à luz do interesse da comunidade. O que vai contra todo e qualquer interesse de Portugal é não haver uma privatizaç­ão da EDP, mas sim a nacionaliz­ação das elétricas portuguesa­s por um país estrangeir­o. E logo a China.

Em primeiro lugar, privatizar obedece ao pensamento (que é o meu) de que o setor privado gere melhor interesses empresaria­is do que o Estado. Ora, ninguém duvidará de que um Estado quando é proprietár­io de uma empresa não a gere em função do lucro mas em função do interesse político? No fundo e no limite, há um conflito de soberanias latente. A China não hesitará em defender os seus interesses, que,

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