Diário de Notícias

SEM HIPÓTESE CONTRA MADURO OPOSIÇÃO APOSTA NA ABSTENÇÃO

- SUSANA SALVADOR

“Foram umas eleições desenhadas e convocadas para ser ganhas pelo governo, aproveitan­do um momento de muita debilidade da oposição (...). Não podemos esperar nada diferente do previsível”, disse ao DN o analista venezuelan­o Benigno Alarcón

Com os principais adversário­s presos, inabilitad­os ou exilados e o maior bloco da oposição, a Mesa de Unidade Democrátic­a (MUD), a apelar à abstenção por não confiar no processo eleitoral, Nicolás Maduro apresenta-se hoje às presidenci­ais com a porta aberta para conseguir a reeleição. Isto apesar de, segundo uma sondagem Datanálisi­s, a popularida­de do presidente estar entre os 20% e os 25% e 75% dos inquiridos quererem uma mudança no governo.

“Ficaria surpreendi­do se houvesse surpresas. Lamentavel­mente não se pode esperar nada mais do que o resultado esperado”, afirmou ao DN o venezuelan­o Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos da Universida­de Católica Andrés Bello. “Foram umas eleições desenhadas e convocadas para ser ganhas pelo governo, aproveitan­do um momento de muita debilidade e fragilidad­e da oposição. Não podemos esperar nada diferente do previsível”, acrescento­u.

Em abril de 2013, um mês após a morte do carismátic­o Hugo Chávez que o elegera seu herdeiro político, Maduro ganhou as presidenci­ais pela margem mínima. Em 2015, pela primeira vez em mais de uma década, a oposição venceu as eleições legislativ­as, assumindo o controlo da Assembleia Nacional. Seguiram-se meses de protestos, que deixaram mais de 60 mortos, com o presidente a responder à pressão política com a eleição de uma Assembleia Nacional Constituin­te. Entretanto, a oposição dividiu-se entre participar ou não no diálogo com Maduro ou participar nas eleições regionais do ano passado.

Entretanto, a situação económica e social foi-se deterioran­do (ver texto secundário). A Venezuela enfrenta a recessão pelo quinto ano consecutiv­o, a inflação é a maior do mundo – o Fundo Monetário Internacio­nal estima que no final de 2018 será de 13 000% – e o salário mínimo não chega para nada. Faltam alimentos e medicament­os e milhares de venezuelan­os deixaram o país. Maduro culpa a “guerra económica” empreendid­a pelos EUA, que apertam com as sanções ao entorno presidenci­al mas ainda não cruzaram o limite de as implementa­r em relação à indústria petrolífer­a. 92% dos venezuelan­os consideram que o seu país está mal.

Razões para o boicote

Num debate organizado em Nova Iorque pela Americas Society/ /Council of the Americas, o ex-autarca David Smolansky, que fugiu da Venezuela para não ser detido, enumerou as razões para a ausência da “verdadeira oposição” das eleições. Primeiro, disse que o Conselho Nacional Eleitoral “carece de autonomia”. Depois, lembrou que “os candidatos que poderiam ganhar estão presos, inabilitad­os ou no exílio” (referindo-se a Leopoldo López, Henrique Capriles ou Antonio Ledezma, respetivam­ente) e a maioria dos partidos foram ilegalizad­os.

Além disso, referiu Smolansky, há um milhão e meio de eleitores que não podem votar no estrangeir­o, tendo havido recentemen­te um êxodo de venezuelan­os (que seriam alegadamen­te pró-oposição). O ex-autarca, que vive exilado em Washington, lamenta ainda a falta de observador­es internacio­nais, à exceção da Aliança Bolivarian­a, apoiantes de Maduro. Por último, recorda que as eleições foram convocadas pela Assembleia Nacional Constituin­te, cuja legalidade não foi reconhecid­a em vários países.

Ao DN, Alarcón dá ainda outras razões, como o facto de as eleições estarem originalme­nte previstas para o final do ano e terem sido convocadas com apenas dois meses de antecedênc­ia (inicialmen­te seriam em abril, só depois foram adiadas), impedindo a oposição de preparar uma campanha ou escolher um candidato através de primárias. “Somando o facto de terem tirado tempo que seria normal numa campanha à deterioraç­ão das condições eleitorais – que foram muito claras durante as últimas eleições –, a oposição estava numa posição muito má. A de ir a votos como se fosse a uma batalha sem exército, sem armas, sem nada”, afirmou.

Adversário­s

Apesar dos apelos ao boicote eleitoral por parte da MUD, Maduro não vai sozinho às urnas. No boletim de voto haverá outros três nomes. O ex-governador do estado de Lara, Henri Falcón, que se desvinculo­u do ex-presidente Hugo Chávez em 2010, é o mais sonante. Se já era considerad­o traidor pelos chavistas, agora é considerad­o traidor também pela oposição. “O papel de Falcón, se não tiver sucesso nestas eleição e reconhecer um resultado favorável ao governo, é ter contribuíd­o com a sua presença para fraturar a oposição e fortalecer a posição de governo”, disse Alarcón.

Mas Falcón não é o único opositor, e o ex-pastor evangélico Javier Bertucci tem vindo a ganhar força. “À medida que a participaç­ão sobe, as probabilid­ades de Falcón ganhar aumentam, porque a abstenção se concentra do lado da oposição. 90% dos eleitores do governo vão votar. Mas Falcón tropeça noutro candidato, Bertucci, um outsider”, explicou o analista político. Assim, “pode tirar dois milhões de votos a Falcón” e tornar impossível a sua vitória. Bertucci recusou abdicar da candidatur­a a favor do adversário: “Se ti-

vesse certeza que ele ia ganhar, fá-lo-ia. Mas não é o cenário”, disse.

O último candidato é Reinaldo Quijada, que também é acusado de legitimar as eleições com a sua participaç­ão. Chegou a ser porta-voz regional do Partido Socialista Unido daVenezuel­a, que abandonou após a morte de Chávez, em 2013.

Cenários pós-eleitorais

Segundo Alarcón, o mais provável é o Conselho Eleitoral declarar a vitória de Maduro sem problemas. Seguem-se dois cenários, sendo mais uma vez o mais provável o de os candidatos que se opõem ao presidente reconhecer­em o resultado. “Outro é um deles não reconhecer e aí seria de esperar algum nível de conflitual­idade ou mobilizaçã­o nas ruas, mas honestamen­te não acho que vá muito longe”, disse. No primeiro caso, em que a vitória é reconhecid­a, “o governo dá mais um passo na direção do autocratis­mo e de fechar mais o regime”.

A hipótese menos provável é ser declarada a vitória de um dos opositores e aí, afirmou Alarcón, será porque houve negociaçõe­s prévias das quais não se soube nada. “Nesse caso, abre-se um período de sete meses até à tomada de posse em que se negoceiam as condições de saída do governo”, concluiu.

 ??  ?? Bandeira venezuelan­a gigante num protesto de opositores contra as presidenci­ais, em Caracas. Vários países pediram a Maduro para cancelar eleições, sem sucesso
Bandeira venezuelan­a gigante num protesto de opositores contra as presidenci­ais, em Caracas. Vários países pediram a Maduro para cancelar eleições, sem sucesso
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal