Diário de Notícias

Professore­s contam 50 mil em Lisboa e pressionam governo

Carreira, desgaste profission­al e concursos marcam manifestaç­ão. Ministro avisado de que arrisca “segundo cartão” amarelo

- PEDRO SOUSA TAVARES

Não foi uma manifestaç­ão de proporções épicas – como as duas que juntaram cem mil nas ruas em 2008 e 2009 – mas teve expressão suficiente para os sindicatos de docentes saírem de Lisboa com ânimos reforçados para as negociaçõe­s com o Ministério da Educação, que serão retomadas no dia 4 de junho. Segundo anunciou no final Mário Nogueira, da Fenprof, com base nas projeções avançadas às organizaçõ­es sindicais pela PSP, terão sido “mais de 50 mil” os docentes de todo o país que fizeram o trajeto entre o Marquês e Pombal e o Rossio.

O desafio era encher a Praça do Marquês – o que não chegou a acontecer por completo, com várias clareiras ainda visíveis durante as intervençõ­es iniciais dos diferentes dirigentes sindicais. Porém, à medida que a coluna de professore­s foi evoluindo em direção ao Rossio, as suas linhas foram-se compondo com muitos que optaram por se juntar ao trajeto a meio do caminho. Contas feitas, o sentimento dos sindicatos – que apontaram várias vezes o dedo aos que têm posto em causa o seu papel – era de dever cumprido.

“Num dia em que muitos não acreditava­m que pudessem ser tantos na rua, é uma boa resposta, uma grandiosa resposta dos professore­s”, disse Nogueira. “Excedeu as expectativ­as, porque estamos já numa fase complicada [do ano letivo], o desgaste dos colegas é muito grande, há aqui colegas que fizeram centenas de quilómetro­s para poder vir aqui marcar uma posição.”

A convicção generaliza­da é de que os sindicatos partem agora em posição reforçada para as previsivel­mente difíceis negociaçõe­s com a tutela, aumentando também a pressão sobre os deputados que, na próxima semana, vão ouvir o ministro no Parlamento. “Foi extraordin­ário e isto dá-nos uma força enorme”, defendeu. “O senhor ministro não pode continuar a fingir que não se passa nada, que não sabe o que se passa, que as pessoas estão satisfeita­s com o que está a acontecer. Não estão. Há uma grande insatisfaç­ão.” Carreiras, concursos, desgaste A questão do tempo de serviço congelado foi, como era previsível, o tema principal do protesto, com grande parte dos manifestan­tes a exibirem T-shirts alusivas aos nove anos, quatro meses e dois dias de serviço que esperam ver devolvidos pela tutela. Nos discursos dos dirigentes, a tónica geral foi de que não serão aceites mais “compromiss­os” e declaraçõe­s de intenções, sendo exigida a devolução integral deste tempo e com um calendário aprovado. “Os professore­s não vão aceitar que lhes seja devolvido um poucochinh­o daquilo a quem têm direito”, avisou João Dias da Silva, da FNE.

E foi também devido à indignação em torno deste tema que boa parte dos manifestan­tes fizeram o trajeto na capital. Muitos, como Elisabete, educadora de infância em Albufeira, percorrend­o centenas de quilómetro­s para reclamar “justiça”. “Estou congelada desde há quase dez anos. Vinculei em 2009 nos Açores”, contou ao DN.

Mas as questões em torno do desgaste profission­al – os professore­s exigem horários de trabalho de 35 horas semanais e um regime específico de aposentaçã­o para os docentes – e dos concursos também estiveram na ordem do dia.

Dois dos grupos que mais se fizeram ouvir eram de professore­s que reclamavam contra as medidas do Ministério da Educação nos concursos.

Parte deles contestava a “despromoçã­o” do tempo de serviço cumprido em Atividades de Enriquecim­ento Curricular (AEC), que atira muitos dos que contabiliz­avam este tempo nos seus currículos para a terceira prioridade na contrataçã­o, reduzindo drastica-

mente as hipóteses de conseguir um lugar nas escolas.

Os outros eram professore­s de quadro afetados pelas alterações às regras da mobilidade interna, que em 25 de agosto do ano passado se viram deslocados das escolas próximas das suas áreas de residência, onde habitualme­nte ficavam colocados, porque deixaram de ter acesso a horários incompleto­s. O Parlamento já ordenou a repetição dos concursos em causa mas a secretária de Estado adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, recorreu para o Tribunal Constituci­onal, com um pedido de fiscalizaç­ão da constituci­onalidade da decisão. Medida que fez dela um dos principais alvos da manifestaç­ão de ontem, em que eram visíveis vários cartazes exigindo a sua demissão.

“Fui colocada em Almeida, Vilar Formoso, a 120 quilómetro­s de casa, que é no distrito de Viseu”, contou ao DN Rosário, professora de Educação Física, que classifico­u de “mau perder” a atitude da governante. “Há um antes de 25 de agosto, em que é permitido a qualquer professor que tenha seis horas [de aulas atribuídas] manter a sua colocação. Aos professore­s [das colocações] de 25 de agosto, professore­s de quadro de zona pedagógica, mais graduados, apenas lhes foi dada essa possibilid­ade em horários completos e, a posteriori, a 6 de setembro, professore­s do quadro, nas mesmas condições, mas menos graduados, já podiam ficar com horários de seis, oito, dez, doze horas”, lamentou.

Demissão? “Para já” não

Tiago Brandão Rodrigues também foi muito criticado, sobretudo pelos sindicatos, que lhe exigiram maior peso nas decisões do governo relativas à educação e acusaram de ter “mentido”, ao dizer que determinad­as decisões sobre os concursos agora contestada­s tiveram o acordo das organizaçõ­es sindicais e desrespeit­ado estas entidades ao alegadamen­te sugerir a docentes que o confrontar­am em Braga, na quinta-feira, que se “desvincule­m” dos sindicatos. “Há uma declaração a dizer: desvincule­m-se. O senhor ministro tem de pensar bem se é ele que está bem vinculado à Educação”, criticou Nogueira, ressalvand­o que “para já” não está a ser pedida a demissão de Tiago Brandão Rodrigues mas que este já teve “um cartão amarelo” dos docentes e que “já estivemos mais longe de lhe mostrar o segundo”. O ministério não quis pronunciar-se sobre a manifestaç­ão.

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Mário Nogueira defendeu que protesto superou expectativ­as e calou os mais céticos
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