Professores contam 50 mil em Lisboa e pressionam governo
Carreira, desgaste profissional e concursos marcam manifestação. Ministro avisado de que arrisca “segundo cartão” amarelo
Não foi uma manifestação de proporções épicas – como as duas que juntaram cem mil nas ruas em 2008 e 2009 – mas teve expressão suficiente para os sindicatos de docentes saírem de Lisboa com ânimos reforçados para as negociações com o Ministério da Educação, que serão retomadas no dia 4 de junho. Segundo anunciou no final Mário Nogueira, da Fenprof, com base nas projeções avançadas às organizações sindicais pela PSP, terão sido “mais de 50 mil” os docentes de todo o país que fizeram o trajeto entre o Marquês e Pombal e o Rossio.
O desafio era encher a Praça do Marquês – o que não chegou a acontecer por completo, com várias clareiras ainda visíveis durante as intervenções iniciais dos diferentes dirigentes sindicais. Porém, à medida que a coluna de professores foi evoluindo em direção ao Rossio, as suas linhas foram-se compondo com muitos que optaram por se juntar ao trajeto a meio do caminho. Contas feitas, o sentimento dos sindicatos – que apontaram várias vezes o dedo aos que têm posto em causa o seu papel – era de dever cumprido.
“Num dia em que muitos não acreditavam que pudessem ser tantos na rua, é uma boa resposta, uma grandiosa resposta dos professores”, disse Nogueira. “Excedeu as expectativas, porque estamos já numa fase complicada [do ano letivo], o desgaste dos colegas é muito grande, há aqui colegas que fizeram centenas de quilómetros para poder vir aqui marcar uma posição.”
A convicção generalizada é de que os sindicatos partem agora em posição reforçada para as previsivelmente difíceis negociações com a tutela, aumentando também a pressão sobre os deputados que, na próxima semana, vão ouvir o ministro no Parlamento. “Foi extraordinário e isto dá-nos uma força enorme”, defendeu. “O senhor ministro não pode continuar a fingir que não se passa nada, que não sabe o que se passa, que as pessoas estão satisfeitas com o que está a acontecer. Não estão. Há uma grande insatisfação.” Carreiras, concursos, desgaste A questão do tempo de serviço congelado foi, como era previsível, o tema principal do protesto, com grande parte dos manifestantes a exibirem T-shirts alusivas aos nove anos, quatro meses e dois dias de serviço que esperam ver devolvidos pela tutela. Nos discursos dos dirigentes, a tónica geral foi de que não serão aceites mais “compromissos” e declarações de intenções, sendo exigida a devolução integral deste tempo e com um calendário aprovado. “Os professores não vão aceitar que lhes seja devolvido um poucochinho daquilo a quem têm direito”, avisou João Dias da Silva, da FNE.
E foi também devido à indignação em torno deste tema que boa parte dos manifestantes fizeram o trajeto na capital. Muitos, como Elisabete, educadora de infância em Albufeira, percorrendo centenas de quilómetros para reclamar “justiça”. “Estou congelada desde há quase dez anos. Vinculei em 2009 nos Açores”, contou ao DN.
Mas as questões em torno do desgaste profissional – os professores exigem horários de trabalho de 35 horas semanais e um regime específico de aposentação para os docentes – e dos concursos também estiveram na ordem do dia.
Dois dos grupos que mais se fizeram ouvir eram de professores que reclamavam contra as medidas do Ministério da Educação nos concursos.
Parte deles contestava a “despromoção” do tempo de serviço cumprido em Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), que atira muitos dos que contabilizavam este tempo nos seus currículos para a terceira prioridade na contratação, reduzindo drastica-
mente as hipóteses de conseguir um lugar nas escolas.
Os outros eram professores de quadro afetados pelas alterações às regras da mobilidade interna, que em 25 de agosto do ano passado se viram deslocados das escolas próximas das suas áreas de residência, onde habitualmente ficavam colocados, porque deixaram de ter acesso a horários incompletos. O Parlamento já ordenou a repetição dos concursos em causa mas a secretária de Estado adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, recorreu para o Tribunal Constitucional, com um pedido de fiscalização da constitucionalidade da decisão. Medida que fez dela um dos principais alvos da manifestação de ontem, em que eram visíveis vários cartazes exigindo a sua demissão.
“Fui colocada em Almeida, Vilar Formoso, a 120 quilómetros de casa, que é no distrito de Viseu”, contou ao DN Rosário, professora de Educação Física, que classificou de “mau perder” a atitude da governante. “Há um antes de 25 de agosto, em que é permitido a qualquer professor que tenha seis horas [de aulas atribuídas] manter a sua colocação. Aos professores [das colocações] de 25 de agosto, professores de quadro de zona pedagógica, mais graduados, apenas lhes foi dada essa possibilidade em horários completos e, a posteriori, a 6 de setembro, professores do quadro, nas mesmas condições, mas menos graduados, já podiam ficar com horários de seis, oito, dez, doze horas”, lamentou.
Demissão? “Para já” não
Tiago Brandão Rodrigues também foi muito criticado, sobretudo pelos sindicatos, que lhe exigiram maior peso nas decisões do governo relativas à educação e acusaram de ter “mentido”, ao dizer que determinadas decisões sobre os concursos agora contestadas tiveram o acordo das organizações sindicais e desrespeitado estas entidades ao alegadamente sugerir a docentes que o confrontaram em Braga, na quinta-feira, que se “desvinculem” dos sindicatos. “Há uma declaração a dizer: desvinculem-se. O senhor ministro tem de pensar bem se é ele que está bem vinculado à Educação”, criticou Nogueira, ressalvando que “para já” não está a ser pedida a demissão de Tiago Brandão Rodrigues mas que este já teve “um cartão amarelo” dos docentes e que “já estivemos mais longe de lhe mostrar o segundo”. O ministério não quis pronunciar-se sobre a manifestação.