Diário de Notícias

Princesas

- JOÃO TABORDA DA GAMA

Na sexta havia teste de Ciências das minhas princesas, e por isso na quinta estive a estudar Ciências. Ou melhor, tentei estudar Ciências. Mas as Ciências do nono ano são uma coisa que não se estuda de véspera

Tinha hoje um almoço aqui em Londres num restaurant­e que dizem ter as melhores ostras da cidade, mas tive de cancelar. Na sexta havia teste de Ciências das minhas princesas, e por isso na quinta estive a estudar Ciências. Ou melhor, tentei estudar Ciências. Mas as Ciências do nono ano são uma coisa que não se estuda de véspera, pelo menos para este pai que nunca teve grande queda para a matéria. A matéria que ia sair no teste era a reprodução, os meios anticoncec­ionais não vão sair, a stora diz que não sai, é só até aqui (aqui é uma página dobrada e riscada que vai impedir o livro de entrar no esquema de livros usados, não faz mal o pai paga). Faz sentido, meios anticoncec­ionais de fora é reprodução garantida. Na reprodução as dúvidas estavam mais na parte do ciclo menstrual. Fácil, pensei, mostra lá.

Mal sabia que no livro o fenómeno ocupava páginas sem fim com um pormenor e uma complexida­de que a cadeira de Direito Fiscal que ensino no terceiro ano da faculdade não tem. Apesar de no Direito Fiscal também falarmos de retroativi­dade, li e lá tentei explicar o efeito de retroação negativa ou feedback negativo das hormonas LH e FSH no ciclo ovárico. Às minhas hesitações, que não quis assumir serem também motivadas pela aquela técnica muito portuguesa que é de definir um termo para logo na linha seguinte o usar com um âmbito ou significad­o logicament­e incom- patível com a definição dada (porque nunca digo mal de professore­s ou manuais, mesmo que haja algum esforço por vezes por parte dos próprios para eu quebrar a jura), a jovem ia dizendo, pois, não sabes disto porque és rapaz. E nos rapazes isto é diferente, as hormonas é só para parar de produzir mais, estás a ver? Não estou, mas também não interessa, que a matéria que estamos a ver não é sobre rapazes. Lá fomos vendo o ciclo, que afinal são dois, e tentando responder da melhor forma ao livro de exercícios (o conhecido milagre da desmultipl­icação do manual escolar, qual ovário fértil). Mas como a gente pelos filhos faz tudo e pelas filhas ainda mais, sou hoje um grande especialis­ta na matéria. (Já ouviram falar do corpo amarelo?)

Mais confiante no futuro da ginecologi­a científica em Portugal, e de certo modo em geral no futuro porque um programa daqueles no nono ano só pode querer dizer que os especialis­tas em educação têm dados sobre a inteligênc­ia dos miúdos que demonstram um grande aumento de massa cinzenta desde os meus 14/15 quinze anos, lá tentei ainda nessa noite de estudo escrever este texto, mas tinha a cabeça em água depois de tanta luteína, e veio comigo a proverbial página em branco até Londres. Tendo de escrever o texto, acabei por não ver o casamento real, as maiores felicidade­s aos noivos, o ruivinho é que a sabe toda, uma atriz mulata americana esperta, brincas, a ver o irmão com uma inglesa chata, o espanhol com uma espanhola rebitesa. Mas queria ter espreitado a cerimónia porque é o único casamento real dos últimos cem anos que poderá fazer história: ao pôr fim a séculos de palidez na Coroa Britânica e ao permitir a partir de agora a construção de um imaginário não monocromát­ico, Harry reconcilia a história consigo própria da única forma possível, que é através do amor.

Isto dos casais transnacio­nais, há dias em que penso que devia ser a regra, só tem um problema, pelo menos se um dos membros for português, ou se viverem em Portugal, que é o mostrar a casa. Por exemplo, vamos de visita a um casal em que ela é estrangeir­a e não nos mostra a casa deles, e a gente desejosos de ver se o quarto é suíte, se a cozinha tem ou não frigorífic­os de porta dupla e se o quarto dos miúdos está mais desarrumad­o do que o dos nossos. Ou quando a família portuguesa desata a mostrar a casa ao estrangeir­o e ele pensa que vai ser raptado e fica com aquele ar de estrangeir­o quando se lhe mostra a casa. Em qualquer dos casos, com ou sem consentime­nto, uma boa mostra de casa é aquela que inclui abertura de roupeiros, uma franca abertura de par em par, sem temer o que se possa encontrar lá dentro. Isto porque já se sabe que a maior qualidade de uma casa portuguesa é a arrumação, roupeiros que nunca mais acabam (coisa que escapa aos especialis­tas do preço da habitação em Lisboa).

Quem anda agora com um problema com mostrar a casa é o casal Pablo Iglesias, que comprou com empréstimo ao banco (o ao fica sempre melhor do que o do) uma moradia de 600 mil e a discussão é se isso é digno de uma esquerda cidadã. A mim, como eles dizem na Espanha, dá igual e não alinho na crítica moralista. E se fosse a ele usava aquele episódio do Daniel Cohn-Bendit, contada pelo próprio à The New York Review of Books na semana passada (1968: Power to the Imaginatio­n, Daniel Cohn-Bendit and Claus Leggewie). Quando chegou à Alemanha, expulso de França, um camarada perguntou-lhe o que significav­a para ele o socialismo: “Ostras para todos”, respondeu. Ao que parece, as ostras do Daniel caíram mal lá no movimento, como a casa com piscina do Pablo e da Irene também não está a ser bem digerida. No casamento real não serviam ostras talvez porque, diz um tabloide daqui, a princesa vai grávida. É provável, porque lá na Califórnia, onde ela estudou, nunca acabam o programa de Ciências do nono e não chegam à matéria da reprodução, ou se dão é a correr para o teste. Não é como na escola das minhas princesas.

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