Princesas
Na sexta havia teste de Ciências das minhas princesas, e por isso na quinta estive a estudar Ciências. Ou melhor, tentei estudar Ciências. Mas as Ciências do nono ano são uma coisa que não se estuda de véspera
Tinha hoje um almoço aqui em Londres num restaurante que dizem ter as melhores ostras da cidade, mas tive de cancelar. Na sexta havia teste de Ciências das minhas princesas, e por isso na quinta estive a estudar Ciências. Ou melhor, tentei estudar Ciências. Mas as Ciências do nono ano são uma coisa que não se estuda de véspera, pelo menos para este pai que nunca teve grande queda para a matéria. A matéria que ia sair no teste era a reprodução, os meios anticoncecionais não vão sair, a stora diz que não sai, é só até aqui (aqui é uma página dobrada e riscada que vai impedir o livro de entrar no esquema de livros usados, não faz mal o pai paga). Faz sentido, meios anticoncecionais de fora é reprodução garantida. Na reprodução as dúvidas estavam mais na parte do ciclo menstrual. Fácil, pensei, mostra lá.
Mal sabia que no livro o fenómeno ocupava páginas sem fim com um pormenor e uma complexidade que a cadeira de Direito Fiscal que ensino no terceiro ano da faculdade não tem. Apesar de no Direito Fiscal também falarmos de retroatividade, li e lá tentei explicar o efeito de retroação negativa ou feedback negativo das hormonas LH e FSH no ciclo ovárico. Às minhas hesitações, que não quis assumir serem também motivadas pela aquela técnica muito portuguesa que é de definir um termo para logo na linha seguinte o usar com um âmbito ou significado logicamente incom- patível com a definição dada (porque nunca digo mal de professores ou manuais, mesmo que haja algum esforço por vezes por parte dos próprios para eu quebrar a jura), a jovem ia dizendo, pois, não sabes disto porque és rapaz. E nos rapazes isto é diferente, as hormonas é só para parar de produzir mais, estás a ver? Não estou, mas também não interessa, que a matéria que estamos a ver não é sobre rapazes. Lá fomos vendo o ciclo, que afinal são dois, e tentando responder da melhor forma ao livro de exercícios (o conhecido milagre da desmultiplicação do manual escolar, qual ovário fértil). Mas como a gente pelos filhos faz tudo e pelas filhas ainda mais, sou hoje um grande especialista na matéria. (Já ouviram falar do corpo amarelo?)
Mais confiante no futuro da ginecologia científica em Portugal, e de certo modo em geral no futuro porque um programa daqueles no nono ano só pode querer dizer que os especialistas em educação têm dados sobre a inteligência dos miúdos que demonstram um grande aumento de massa cinzenta desde os meus 14/15 quinze anos, lá tentei ainda nessa noite de estudo escrever este texto, mas tinha a cabeça em água depois de tanta luteína, e veio comigo a proverbial página em branco até Londres. Tendo de escrever o texto, acabei por não ver o casamento real, as maiores felicidades aos noivos, o ruivinho é que a sabe toda, uma atriz mulata americana esperta, brincas, a ver o irmão com uma inglesa chata, o espanhol com uma espanhola rebitesa. Mas queria ter espreitado a cerimónia porque é o único casamento real dos últimos cem anos que poderá fazer história: ao pôr fim a séculos de palidez na Coroa Britânica e ao permitir a partir de agora a construção de um imaginário não monocromático, Harry reconcilia a história consigo própria da única forma possível, que é através do amor.
Isto dos casais transnacionais, há dias em que penso que devia ser a regra, só tem um problema, pelo menos se um dos membros for português, ou se viverem em Portugal, que é o mostrar a casa. Por exemplo, vamos de visita a um casal em que ela é estrangeira e não nos mostra a casa deles, e a gente desejosos de ver se o quarto é suíte, se a cozinha tem ou não frigoríficos de porta dupla e se o quarto dos miúdos está mais desarrumado do que o dos nossos. Ou quando a família portuguesa desata a mostrar a casa ao estrangeiro e ele pensa que vai ser raptado e fica com aquele ar de estrangeiro quando se lhe mostra a casa. Em qualquer dos casos, com ou sem consentimento, uma boa mostra de casa é aquela que inclui abertura de roupeiros, uma franca abertura de par em par, sem temer o que se possa encontrar lá dentro. Isto porque já se sabe que a maior qualidade de uma casa portuguesa é a arrumação, roupeiros que nunca mais acabam (coisa que escapa aos especialistas do preço da habitação em Lisboa).
Quem anda agora com um problema com mostrar a casa é o casal Pablo Iglesias, que comprou com empréstimo ao banco (o ao fica sempre melhor do que o do) uma moradia de 600 mil e a discussão é se isso é digno de uma esquerda cidadã. A mim, como eles dizem na Espanha, dá igual e não alinho na crítica moralista. E se fosse a ele usava aquele episódio do Daniel Cohn-Bendit, contada pelo próprio à The New York Review of Books na semana passada (1968: Power to the Imagination, Daniel Cohn-Bendit and Claus Leggewie). Quando chegou à Alemanha, expulso de França, um camarada perguntou-lhe o que significava para ele o socialismo: “Ostras para todos”, respondeu. Ao que parece, as ostras do Daniel caíram mal lá no movimento, como a casa com piscina do Pablo e da Irene também não está a ser bem digerida. No casamento real não serviam ostras talvez porque, diz um tabloide daqui, a princesa vai grávida. É provável, porque lá na Califórnia, onde ela estudou, nunca acabam o programa de Ciências do nono e não chegam à matéria da reprodução, ou se dão é a correr para o teste. Não é como na escola das minhas princesas.