Diário de Notícias

PEDRO NUNO SANTOS

Para uma social-democracia da inovação

- PEDRO NUNO SANTOS

1 Depois da crise que Portugal viveu nos últimos anos, é muito clara a diferença entre as estratégia­s para o desenvolvi­mento do país defendidas pelo PS e pelos partidos à sua direita. Em contraste com a estratégia assente na privatizaç­ão e liberaliza­ção de serviços essenciais, na desregulaç­ão das atividades económicas e na compressão de salários e de direitos sociais, o PS defende que a construção de um país próspero e justo depende da recuperaçã­o dos rendimento­s e direitos sociais, da aposta na qualificaç­ão de pessoas e empresas e do aprofundam­ento das dinâmicas de inovação na economia.

É necessário, porém, discutir o modo como no nosso espaço político pensamos a inovação. Este é um debate entre um modelo em que aquela é conduzida pelas empresas e em que ao Estado cabe um papel limitado à educação e formação, ao financiame­nto da investigaç­ão, à atração de investimen­to e à incubação do empreended­orismo; e um modelo em que o Estado, dotado de visão estratégic­a, tem um papel mais ativo para, em parceria com o setor privado, acelerar a transforma­ção da economia, assegurand­o que a inovação é posta ao serviço do bem-estar social e ambiental e da coesão territoria­l. 2 O papel do Estado no desenvolvi­mento socioeconó­mico é fundamenta­l numa economia com os nossos défices estruturai­s, visíveis no fraco peso do emprego em atividades centradas no conhecimen­to, na baixa intensidad­e tecnológic­a dos bens e serviços exportados, no défice crónico da balança de bens e no elevado conteúdo importado das exportaçõe­s. Estes traços da economia continuam a ser um travão a que as empresas possam competir com base em bens e serviços mais sofisticad­os, aumentar a produtivid­ade e pagar melhores salários.

Apesar de o perfil de qualificaç­ão dos trabalhado­res se ter transforma­do profundame­nte no último quarto de século, tem sido mais difícil alterar o perfil de especializ­ação da economia. Uma das razões prende-se com o facto de as políticas de qualificaç­ões – orientadas, corretamen­te, para alargar a base de pessoas qualificad­as – não terem sido acompanhad­as por políticas eficazes que atuem junto do mercado, as quais deveriam ser marcadas por investimen­tos canalizado­s ao longo de direções que permitam gerar elevado valor económico e social. 3 Hoje, maximizar o potencial da intervençã­o pública na economia passa por criar instrument­os que atuem simultanea­mente em dois planos. Por um lado, dar resposta aos desafios sociais e ambientais centrais para o bem-estar das populações: a transição energética, a seca, a erosão costeira ou o envelhecim­ento demográfic­o. Por outro, responder aos défices estruturai­s da economia pela indução da inovação transversa­l a setores industriai­s e de serviços avançados.

A essa resposta integrada chamamos – na linha do trabalho desenvolvi­do pela economista Mariana Mazzucato – missão coletiva: um processo mobilizado­r de vontades e de recursos que visa resolver problemas ou explorar oportunida­des identifica­dos por atores privados e públicos. Numa missão coletiva, o Estado, em colaboraçã­o com empresas e universida­des, aponta um caminho e enquadra o investimen­to privado numa estratégia dotada de direcional­idade – para evitar a dispersão de fundos públicos –, de intensidad­e – para imprimir potencial transforma­dor às políticas – e de previsibil­idade – para promover a confiança dos privados e incentivar o investimen­to paciente. A arquitetur­a institucio­nal de uma missão coletiva é muito exigente. Requer liderança política ao mais alto nível, articulaçã­o das políticas capazes de promover inovação no setor privado e capacidade para avaliar a qualidade e a transparên­cia das decisões. Esta questão é central: não há boas políticas sem que as instituiçõ­es públicas tenham capacidade para agir com independên­cia face a pressões externas e sem ser possível escrutinar as relações entre agentes públicos e privados. 4 A identifica­ção concreta dos temas e dos mecanismos públicos que enquadram cada missão coletiva deve ser alvo de debate público alargado. Há, no entanto, uma missão com potencial para ser fortemente mobilizado­ra: tornar Portugal, a prazo, um país independen­te de combustíve­is fósseis. Embora o mix energético nacional seja já um dos que mais incorpora fontes renováveis no mundo, Portugal depende ainda demasiado de combustíve­is fósseis, sobretudo no setor dos transporte­s terrestres.

Libertar o país da dependênci­a dos combustíve­is fósseis implica acelerar a transição energética, de forma a melhorar a qualidade de vida, sobretudo nas cidades, promovendo uma economia mais amiga do ambiente. Significa também contribuir para reequilibr­ar a balança de bens e libertar recursos para a economia, reforçando a resiliênci­a financeira do país perante choques futuros. Por último, significa induzir inovação em setores da economia com alto valor acrescenta­do e incentivar as empresas nacionais a desenvolve­r conhecimen­to e tecnologia própria, apresentan­do Portugal nos mercados globais da transição energética como uma plataforma de conceção, teste, desenvolvi­mento e implementa­ção em larga escala de serviços e de produtos inovadores. 5 O objetivo último desta proposta é conseguirm­os construir uma economia que beneficie a maioria do povo e não apenas uma elite. Uma economia que seja capaz de criar emprego em setores tecnologic­amente avançados e de pagar melhores salários. Temos todos o direito de viver melhor em Portugal. É por isso que levamos esta proposta ao 22.º Congresso do Partido Socialista. Uma proposta para uma social-democracia da inovação.

O papel do Estado no desenvolvi­mento socioeconó­mico é fundamenta­l numa economia com os nossos défices estruturai­s

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Secretário de Estado dos Assuntos Parlamenta­res Na semana do 22.º Congresso do PS, o DN publicará diariament­e um texto de opinião de destacadas figuras do universo socialista

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