Diário de Notícias

Ah, Camões, continua a nadar...

- FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

Da cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, voltando ascos tasà baía, há uma elevação, não muita, nem chega a 500 metros, pedregosa e seca, o que sublinha mais o seu recorte.Por causa deste, chama-se-lhe monte Cara.Uma cara de queixo firme, nariz afilado e testa longa. Olha o céu. É preciso conhecer bem a sua terra e ainda melhor os seus para emprestar ao monte outro destino. Germano Almeida, ontem feito Prémio Camões, veio de outra ilha, Boa Vista, mas vive e trabalha há muito no Mindelo. Cabo-verdiano como deve ser, andou daqui para ali.De São Vicente, ele vê São Antão, tão próxima. Mas Germano Almeida, quando olha para o estreito que separa as duas ilhas, vê para além dele. Sabe que nos anos 50,do porto onde os barcos partiam, despedindo-sede outros barcos cujas ossadas de ferro enferrujad­o descansava­m na praia, erguia-se por vezes o som de um saxofone, ou de um clarinete quando era preciso estender mais a dor. Era Luís Morais, despedindo-se do povo: para as roças de São Tomé, as açucareira­s de Luanda e Benguela, as fábricas da América. Oiçam Cesária a cantar São

Tomé na Equador ou Soda depara entenderem do que falo. Então, Germano Almeida, que até em silêncio entende do que falo, olhou para o monte recortado e soube dele que não olhava o céu. E escreveu, um dia:

De Monte Cara Vê-se o Mundo. É em frente, para os lados, recuando, vogando, que vai esse povo que fala crioulo, português que enriquece o nosso português. Conheci o gigante Germano Almeida, o do português límpido, uma noite em que o jovem Ondjaki contava anedotas luandenses, daquelas que acontecera­m mesmo, depois de termos visto um rancho de mulheres pardas dançando modinhas que elas não sabiam terem nascido nos Açores. Estávamos no Natal, Rio Grande do Norte, Brasil e era tão bom estarmos entre irmãos. Ah!, Camões, continua a nadar com um braço erguido a salvar o que nos faz grandes.

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