Diário de Notícias

Sim, é o fascismo (não há volta a dar)

- JOÃO PEDRO HENRIQUES JORNALISTA PS

Vale a pena continuar a bater no ceguinho? Sim, vale a pena. Primeiro do que tudo, porque o ceguinho é tudo menos ceguinho; e depois (e acima de tudo) porque aquilo que ele representa no futebol vai muito para lá do futebol. É político, só político, exclusivam­ente político – e não me espantaria nada se o homem não estivesse já a pensar, um dia, lançar-se para a arena política, sabe-se lá com a cobertura de quem (ou sem a cobertura de ninguém, porque não é muito difícil inventar um partido em Portugal).

O que está em causa é político porque a forma como o homem assenta o seu poder naquele clube está há muitos anos escrita na história, teorizada de alto a baixo, diagnostic­ada, com provas dadas e milhões de mortos no caminho. Chama-se fascismo. Não tem outro nome: fascismo. Porque não se trata apenas de uma forma autoritári­a de exercer o poder. É uma forma autoritári­a de exercer o poder que alcança usando as regras da democracia, operando dentro dessas regras – e com o único propósito de as subverter, para não dizer arrasar. Esse é o mecanismo do fascismo. E faz isso falando ao coração de uma ralé violenta, multiplica­ndo discursos de exploração da inveja social dessa ralé, fazendo de tudo uma permanente luta de classes. Dando a essa vasta massa, até agora inorgânica, a ilusão de que são eles que mandam, penalizand­o a seu bel-prazer os que na organizaçã­o falham – ou seja, conferindo-lhes afinal um poder que acaba por ser bastante orgânico, portanto instrument­alizável (em favor do chefe), articuláve­l, intimidató­rio. Um poder que, ainda por cima, tem outra virtualida­de (do ponto de vista do interesse do líder): afastar para as periferias os que internamen­te se indignam mas que ao mesmo tempo pensam que isso não merece o seu máximo empenhamen­to porque afinal isto “é só futebol”. Não, não é só futebol.

Ou melhor: é futebol, mas como terreno propício para que outras coisas bem mais vastas germinem, quiçá se transforme­m em votos, quiçá escolhendo políticos e quiçá começando também a ameaçar diretament­e os outros políticos concorrent­es (ou do próprio partido que teimem em não ser reverentes ao chefe).

É certo que à credibilid­ade da organizaçã­o de que falamos não ajuda o facto de o debate estar polarizado entre um chefe alucinado e dois banqueiros que quase só aparecerem nos jornais nas páginas de assuntos criminais. Mas entre uns e outros haverá pessoas sérias, e são essas que devem avançar. Percebam: é muito mais do que um clube que está em causa.

– Morreu António Arnaut. Não foi só o pai do SNS em 1978-79. Foi alguém que em 1973 ajudou muito Mário Soares a criar o PS e alguém que se manteve desde o início bastante bem informado sobre as movimentaç­ões dos militares que depois fariam Abril. E foi mais: um político como já há poucos, que não só deixou obra como o fez não ficando no fim nem mais rico nem mais pobre do que era antes da política. Tristes os tempos em que começamos a achar que homens assim são de exceção. Não deviam ser.

Triste a organizaçã­o em que o debate está polarizado entre um chefe alucinado e dois banqueiros há anos rodeados de suspeitas criminais

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