Saída de enfermeiros obriga Santa Maria a fechar camas e setor de cirurgia
Apenas foram contratados 49 enfermeiros, menos de metade dos que saíram. Um setor da cirurgia teve de ser encerrado. E a unidade de nefrologia pediátrica foi transferida para um piso com menos camas
Só desde janeiro, mais de cem enfermeiros saíram, deixando o hospital muito abaixo dos padrões de qualidade internacionais. “Há falta de recursos humanos, mas não são autorizadas contratações”, denuncia bastonária.
Um setor de cirurgia encerrado, uma unidade da pediatria transferida para outro local com menos camas, serviços como o de otorrino e urgências assegurados por internos e consultas e tratamentos em risco por falta de profissionais. Este é o retrato de alguns dos principais problemas que afetam o Hospital de Santa Maria. As causas, grosso modo, vão sempre dar ao mesmo problema: recursos humanos, ou a falta deles. Se há menos de duas semanas o diretor do serviço de oncologia do hospital se queixou da falta de médicos na unidade, dados consultados pelo DN mostram também que o número de enfermeiros está muito abaixo do necessário: só desde o início do ano, mais de cem enfermeiros abandonaram o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) e nem metade desse número foi contratado para compensar as saídas.
Os padrões internacionais de qualidade nos serviços de saúde apontam para um rácio de três enfermeiros por cada médico – e a média europeia até está acima dessa bitola, com um médico para cinco enfermeiros –, mas o Santa Maria apresenta linhas que praticamente se sobrepõem nesta área: tem 1521 médicos, já contando com 127 internos, e 1849 enfermeiros, o que resulta num rácio de apenas 1,2 profissionais de enfermagem para cada médico. Mas na prática, por vezes, até é inferior. “Por exemplo, na consulta de ginecologia há duas enfermeiras para quatro médicos, se alguma falta ou fica doente, o trabalho fica posto em causa”, conta um médico do Santa Maria que relata “uma diminuição geral do número de enfermeiros”.
E os números no maior hospital nacional parecem confirmar esta tese. Desde o primeiro dia do ano de 2018, saíram deste centro hospitalar 103 enfermeiros, dos quais 64 para centros de saúde – ao abrigo de um concurso aberto pela Administração Central do Sistema de Saúde –, e 39 por rescisão de contrato para irem para o privado ou para outras unidades de saúde. Em sentido inverso, foram admitidos no mesmo período de tempo 49 enfermeiros, menos de metade dos que abandonaram. As consequências fazem-se sentir nas escalas, relatam profissionais ao DN, com o aumento de horas a trabalhar sem consentimento dos enfermeiros, falsas horas extraordinárias e o aumento de baixas médicas. E também, naquilo que toca mais diretamente os utentes, no funcionamento dos serviços. Pediatria perdeu 15 enfermeiros Um setor da cirurgia, denominado 1B, teve mesmo de ser encerrado – “temporariamente”, garante fonte hospitalar – para permitir dar resposta aos cuidados de enfermagem da área cirúrgica em geral. Ao que o DN apurou, trata-se do fecho de 22 camas, que tinham uma ocupação média de 76%. E o próprio hospital admite também que teve de reestruturar a unidade de nefrologia pediátrica, que precisava de 11 enfermeiros para assegurar todos os turnos e mudou do 7.º piso para o 9.º, onde ficou junto à zona de gastro e de infeto e perdeu camas – passou de seis para quatro. Mas “tem dado resposta às necessidades nesta área e permitiu em simultâneo distribuir os enfermeiros por outros pisos da pediatria, da qual saíram na globalidade 15 enfermeiros”, sublinha o hospital em resposta ao DN, falando em mera gestão de recursos humanos e assegurando que a situação será restabelecida quando for autorizada a contratação de igual número de enfermeiros saídos.
“Não se consegue cumprir o rácio médico/enfermeiro porque o número destes últimos no CHLN é muito abaixo do necessário para dar resposta às necessidades em horas de cuidados de enfermagem na nossa instituição”, reconhece fonte do Santa Maria, que acrescenta que a aposta tem necessariamente de passar pela contratação de enfermeiros, porque há um défice destes profissionais e não excesso de médicos. Afirmações subscritas pela bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que defende que “não há falta de médicos em Portugal, estão é mal distribuídos”. “Em relação aos enfermeiros, há um problema de falta de recursos humanos e os quadros estão fechados, não são autorizadas contratações”, diz Ana Rita Cavaco.