Diário de Notícias

Ordem dos Advogados quer eutanásia levada ao Constituci­onal

Na Assembleia da República estão já sete pareceres aos projetos que legalizam a morte assistida. Ordem dos Enfermeiro­s é contra, advogados querem controlo do TC

- SUSETE FRANCISCO

A Ordem dos Advogados defende que uma futura lei que despenaliz­e a morte medicament­e assistida deve ser levada, preventiva­mente, ao Tribunal Constituci­onal (TC). “Em matérias de tão séria repercussã­o individual e social, cremos bem que este controlo se imporia”, escreve a organizaçã­o representa­tiva dos advogados, num parecer enviado à Assembleia da República.

No documento, a ordem dá como exemplo a intervençã­o dos juízes do Palácio Ratton numa “matéria próxima” – a despenaliz­ação do aborto nas primeiras dez semanas –, consideran­do que a intervençã­o prévia do tribunal ajudou “decisivame­nte no aplacar de dúvidas que existem sempre em matérias assaz sensíveis”. O mesmo princípio será válido para a morte assistida, dado que a pronúncia do TC representa­ria uma “garantia acrescida de que a Constituiç­ão não constitui óbice” às soluções que vierem a ficar previstas na lei. A OA diz, por isso, que “não estranhari­a que o projeto, a merecer aprovação na Assembleia da República, fosse submetido pelo senhor Presidente da República a fiscalizaç­ão preventiva da sua constituci­onalidade”.

A posição da Ordem dos Advogados está expressa no parecer ao projeto de lei do Bloco de Esquerda, que autoriza a morte medicament­e assistida, uma das quatro propostas sobre esta matéria que vão a debate no Parlamento, a 29 de maio (os restantes projetos são do PS, PAN e PEV ). Até agora, chegaram à Assembleia da República sete pareceres aos textos apresentad­os pelos partidos, com predominân­cia aos do PAN e do BE, os primeiros a dar entrada na Assembleia da República.

Quanto à questão de fundo, a OA não toma posição, consideran­do que a despenaliz­ação da morte medicament­e assistida é “uma exclusiva opção de política legislativ­a que compete aos órgãos de soberania titulares do poder legislativ­o”. A OA diz também que esta é “uma eminente matéria de consciênci­a individual”, posição que repete no parecer ao texto do PAN. Enfermeiro­s são contra A Ordem dos Enfermeiro­s já se pronunciou sobre três das quatro propostas em cima da mesa (falta apenas a pronúncia ao texto do PEV, o último a entrar), terminando sempre com a mesma conclusão – “o projeto de lei não apresenta maturidade para que possa ser analisado enquanto tal”, pelo que a ordem decide “não aceitar a redação proposta”.

Dois dos argumentos para a rejeição são repetidos nos três pareceres. “Além do conceito de antecipaçã­o da morte por decisão da própria pessoa ainda carecer de maturação e de melhor fundamento em Portugal, à luz de um necessário e alargado consenso ético”, a OE defende que esta discussão “não poderá sobrepor-se nem antecipar-se à necessidad­e de previament­e se assegurar uma rede de cuidados paliativos e continuado­s, competente, eficaz e de acesso imediato ao utente”.

Mas há uma outra crítica da organizaçã­o que representa os enfer- meiros e que é comum aos vários projetos, classifica­dos como “redutores” na medida em que centraliza­m o processo “num único profission­al de saúde – o médico –, ignorando a intervençã­o concreta não só dos profission­ais de enfermagem mas também de outros profission­ais de saúde”. Na apreciação ao projeto do PS, os enfermeiro­s enunciam uma posição de princípio contra a eutanásia – “É obrigação do enfermeiro exercer a profissão com respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem-estar da população.” CNECV também, mas há exceções Quem também assume uma posição de princípio contra a morte medicament­e assistida é o Conselho Nacional de Ética para as Ciências daVida (CNECV ), que procura contrariar um dos argumentos dos defensores da despenaliz­ação da eutanásia – a primazia da vontade do doente. “O projeto [no caso, do PAN] atribui ao médico a decisão final sobre o pedido de morte. Logo, o fundamento do princípio do respeito pela autonomia da pessoa que faz o pedido fica claramente comprometi­do”, argumenta o CNECV. Por outra lado, a mesma entidade defende que é “gravosa, em Portugal, a carência de cuidados, designadam­ente paliativos, que podem proporcion­ar qualidade de vida no seu fim, bem como falar de informação e esclarecim­ento aos cidadãos sobre as opções existentes”.

Uma argumentaç­ão contrariad­a por um dos membros do CNECV, que votou contra o parecer. Numa declaração de voto, André Dias Pereira diz não se rever nas “reservas e cautelas” do CNECV e argumenta que a questão do reforço dos cuidados paliativos é um consenso na sociedade portuguesa, mas que não é desse tema que trata o projeto de lei. E contraria o argumento segundo o qual o controlo médico ao pedido de eutanásia constitui uma limitação da autonomia. Um argumento que incorre “numa falácia”, defende, dado que “o argumento do parecer limita a autonomia em nome da própria autonomia”.

André Dias Pereira conclui defendendo a “primazia da autonomia da pessoa doente e a ilegitimid­ade de – numa sociedade plural e democrátic­a – se querer impor certas formas de morrer a outra pessoa”.

Ao Parlamento chegaram ainda pareceres da Procurador­ia-Geral da República e do Conselho Superior da Magistratu­ra (CSM). Nenhuma das entidades toma posição sobre a morte medicament­e assistida, centrando-se na redação dos diplomas. No caso do CSM, que se pronuncia sobre o texto do PAN, são vários os alertas para a necessidad­e de precisar que as situações de incapacida­de mental são motivo de exclusão do pedido de eutanásia.

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Advogados querem que eutanásia vá primeiro ao crivo do Tribunal Constituci­onal

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