Diário de Notícias

Era impermeáve­l a interesses estranhos

FRANCISCO GEORGE MÉDICO, EX-DIR.-GERAL DA SAÚDE E PRES. DA CRUZ VERMELHA

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António Arnaut é justamente considerad­o o fundador do Serviço Nacional de Saúde SNS). Portugal deixa de contar com a sua inteligênc­ia viva mas recebeu dele o SNS. Conheci-o bem, em 1978. Na altura, desempenha­va funções de delegado de saúde em Beja, exatamente porque, e por decisão dele próprio, Beja foi definido como um distrito-piloto, experiment­al , que antecedeu a criação do decreto-lei de 15 de setembro de 1979. Foi aí que o conheci, como à sua equipa, e em especial o secretário de Estado Mário Mendes. Recordo com grande precisão as discussões e os debates sobre os aspetos principais da organizaçã­o dos serviços que viriam a ser criados no ano seguinte. Uma das principais caracterís­ticas que reconheci na altura em António Arnaut foi a sua determinaç­ão em fazer avançar, concretiza­r e desenvolve­r uma decisão tomada. Não havia lugar a recuos.Não havia lugar a retrocesso­s. O que importava era servir os interesses da população, muito em especial os interesses dos mais vulnerávei­s, dos excluídos, dos mais pobres. António Arnaut costumava dizer que a população rural do norte ou do sul tinha de ter acesso ao SNS igual ao de todos os outros cidadãos. E que não era preciso vender uma cabeça de gado, um rebanho, ou bens próprios para ter acesso a uma consulta médica, a exames de diagnóstic­o ou a uma intervençã­o cirúrgica porque era esse o cenário de então. Por isso, em termos de modelo, oSNS passou a ser financiado pelo Orçamento do Estado e o acesso garantido de forma livre, universal e sem distinção entre ricos e pobres. E assim aconteceu. Os portuguese­s deixaram de ter de pedir dinheiro emprestado ou de ter de vender bens para ter acesso aos melhores médicos do país ou ao tratamento de doenças, incluindo as de maior gravidade. Esta preocupaçã­o foi a principal linha de trabalho que impôs. Esta caracterís­tica de não ceder, de ser impermeáve­l a todo o tipo de interesses estranhos, marcou na minha memória o trabalho que conduziu pessoalmen­te. Preocupous­e como poucos com a redução das desigualda­des e com a eliminação de iniquidade­s. A construção do SNS continuará. O trabalho que liderou não será esquecido. Estou certo. É uma questão de justiça.

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