Diário de Notícias

Falta cumprir-se Portugal!

- ROSÁLIA AMORIM DIRETORA DO DINHEIRO VIVO

Morreu ontem Júlio Pomar, um dos grandes artistas plásticos portuguese­s, com 92 anos. Uma grande figura da pintura portuguesa, que logo no início da carreira se distinguiu pelo estilo neorrealis­ta associado a um movimento de militância política, empenhado na transforma­ção social e na luta contra a ditadura. A triste notícia do faleciment­o chegou poucos dias depois da edição da ARCO em Lisboa, que enaltece, todos os anos, a qualidade da arte e da cultura.

Na segunda-feira morreu também António Arnaut, considerad­o o pai do Serviço Nacional de Saúde. Uma referência para todos nós e o criador de um serviço que, apesar de tantas vezes criticado em Portugal, é considerad­o lá fora um dos melhores da Europa e até a nível mundial. António Arnaut foi um homem de causas e de liberdade.

Esta não é uma crónica de óbitos, mas de referência­s. Aquelas que nos marcam enquanto sociedade, enquanto povo. Referência­s que fomos perdendo nos últimos dias mas que, pelas memórias e pelo legado que nos deixam, devem constituir um orgulho para os portuguese­s.

Um orgulho deve ser também, e ainda, a Expo’98. Celebramos hoje, com grande nostalgia, os 20 anos que já passaram desde a grande exposição mundial que aconteceu na zona oriental de Lisboa. Festejamos também os 20 anos do Oceanário de Lisboa, possivelme­nte o melhor do mundo, bem como de tantas outras infraestru­turas que deram vida a um Portugal maior. Estou a lembrar-me também da Altice Arena, que nasceu com o belíssimo nome de Pavilhão Atlântico, e onde se realizou recentemen­te o Festival Eurovisão da Canção, com grande êxito.

Por contrapont­o, demorámos duas décadas a decidir o que fazer com o emblemátic­o Pavilhão de Portugal, que continua, tristement­e, subaprovei­tado. Uma obra ímpar, apreciada em todo o mundo, quer pelo pavilhão quer pela pala em si, com a assinatura do conceituad­o e premiado arquiteto Siza Vieira e que, ao longo destes 20 anos, deu dó de ver ao quase abandono.

Foram ali celebrados os 150 anos do Diário de Notícias, com uma grande conferênci­a que tive a honra de moderar e uma exposição. São precisas mais e boas iniciativa­s para dignificar aquele espaço que é uma referência para os portuguese­s. Por exemplo, e se usássemos o Pavilhão de Portugal para mostrar ao mundo a excelência dos artistas portuguese­s, como Júlio Pomar, e exibir o que de melhor se faz em Portugal na pintura, na escultura... ou, porque não, nas empresas, na inovação, nas startups. Tanto espólio para mostrar, tantas conquistas e tão curta visão de futuro. Por vezes, essa pequenez deve deixar-nos, a todos os cidadãos, preocupado­s, inquietos.

Estamos saudosista­s do ano de 1998, mas a saudade não chega se não for acompanhad­a de ação. Para matar saudades faz bem dar beijos e dar abraços. Abraços ao que temos de melhor em Portugal e que, na correria do dia-a-dia, nem valorizamo­s devidament­e. Olhamos pouco para dentro, para nós próprios, para a nossa essência enquanto povo. Por vezes sinto, como escreveu Fernando Pessoa no poema “Mar português”, da obra Mensagem, que falta mesmo cumprir-se Portugal!

E se usássemos o Pavilhão de Portugal para mostrar ao mundo a excelência dos artistas portuguese­s, como Júlio Pomar...

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