Diário de Notícias

Ciro e Benjamin

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, em São Paulo JORNALISTA

Benjamin é um milionário com fortuna avaliada em perto de mil milhões de reais, o equivalent­e a 250 milhões de euros. Banqueiro de investimen­tos formado em Gestão de Empresas, fundou o maior grupo têxtil da América Latina. Participou ativamente no processo de privatizaç­ões no Brasil dos anos 1990, liderando os consórcios que adquiriram as gigantes Companhia Siderúrgic­a Nacional e Companhia do Vale do Rio Doce.

Filiou-se recentemen­te no Partido Progressis­ta, um dos principais expoentes da direita brasileira, herdeiro do Arena, o partido-sustentácu­lo da ditadura militar, e hoje sólido aliado do governo de Michel Temer.

Nos tempos livres, é um entusiasta das corridas de cavalos e dono de alguns puros-sangues históricos no país.

Natural do Rio de Janeiro, divide-se entre a Cidade Maravilhos­a e São Paulo.

Ciro, embora nascido no interior do estado de São Paulo, é um produto do carente e desigual Nordeste e não há notícia de que aposte em cavalos de corrida.

Advogado e professor universitá­rio, pertence ao Partido Democrátic­o Trabalhist­a, de esquerda, talvez a força parlamenta­r que mais se opôs à reforma laboral de Temer, considerad­o um avanço institucio­nal pela direita e por patrões e um atraso civilizaci­onal pela esquerda e pelos sindicatos.

Na eco no mia,é“neo desenvolvi mentis ta ”, corrente que defende o Estado como gerador de cresciment­o, como regulador dos sistemas produtivos e como principal meio de combate à desigualda­de – uma ideia próxima da que norteou o governo Dilma Rousseff e que assusta nove em cada dez economista­s.

Construiu a sua reputação como gestor público nos anos 1990, como prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro de Lula da Silva, do Partido dos Trabalhado­res. E considera Temer, apoiado pelo Partido Progressis­ta, e a sua turma “a gente mais corrupta do Brasil”.

Com estes bilhetes de identidade, seria natural que Ciro, o político esquerdist­a, e Benjamin, o industrial direitista, seguissem caminhos, senão antagónico­s, pelo menos diferentes. Mas não: ao que tudo indica, Benjamin Steinbruch será nomeado candidato a vice-presidente na lista do concorrent­e ao Palácio do Planalto Ciro Gomes.

Na política brasileira, as chaalguém pas (em Portugal, listas; nos Estados Unidos, tickets) presidenci­ais tendem a ser complement­ares, como a provável reunião Ciro-Benjamin. Se o candidato à presidênci­a é nordestino, o vice deve ser da região sudeste, de preferênci­a do eixo Rio-São Paulo; se um é do sul, o outro convém ser do norte; não deve haver dois paulistas na mesma chapa, mas chapa sem nenhum paulista, o estado que representa quase um terço do PIB e quase um quarto da população, é suicídio; é muito comum também a união “café com leite”, isto é, de São Paulo, região produtora de café, somado a alguém de Minas Gerais, região produtora de leite.

Além da geografia, contam o equilíbrio etário – se o candidato à presidênci­a é muito jovem, precisa de um vice veterano – o de género e até de cor de pele.

Mas, sobretudo, é necessário alguém pró-mercado, marcadamen­te do setor produtivo, na equação: foi por isso que Lula, um ex-retirante nordestino-paulista vindo do sindicalis­mo, escolheu como seu vice José Alencar, um megaempres­ário mineiro – Josué, o filho de Alencar, é agora cobiçado por Lula, ou por quem o suceder no Partido dos Trabalhado­res, para a vice-presidênci­a.

O casamento de conveniênc­ia entre Lula e Alencar, por acaso, resultou em pleno: saíram com 80% de aprovação dos palácios do Alvorada e do Jaburu, unidos por sincera e cúmplice amizade interrompi­da apenas na hora da morte do segundo, em 2011.

O noivado de Ciro com Benjamin não se sabe como terminará. Mas o mais comum é que matrimónio­s políticos cosidos nas teias do pragmatism­o e das conveniênc­ias acabem em ódio, traição ou tragédia. Veja-se o caso de Dilma e Temer.

O noivado de Ciro com Benjamin não se sabe como terminará. Mas o mais comum é que matrimónio­s políticos cosidos nas teias do pragmatism­o e das conveniênc­ias acabem em ódio, traição ou tragédia.Veja-se o caso de Dilma eTemer

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