Diário de Notícias

IPO de Lisboa não consegue fazer exames a todas as doentes que tiveram cancro

Radiologia do IPO de Lisboa assume em documento interno que não consegue assegurar mamografia­s de vigilância a 12 meses

- PEDRO VILELA MARQUES

Serviço de Radiologia do Instituto Português de Oncologia assume em documento interno que não consegue assegurar mamografia­s de vigilância a 12 meses para mulheres que ainda não tiveram alta ao fim de cinco anos da cirurgia.

O Instituto Português de Oncologia de Lisboa não consegue dar resposta a todas as mulheres que precisam de fazer exames de seguimento do cancro da mama e está a encaminhá-las para os centros de saúde. As dificuldad­es são assumidas num documento interno do serviço de radiologia elaborado no último mês, ao qual o DN teve acesso, em que o IPO admite que não pode assegurar mamografia­s de vigilância a 12 meses a utentes que ainda não tiveram alta ao fim de cinco anos da cirurgia, já que o número de pedidos é superior ao de vagas. A solução proposta pelo hospital, “não sabendo quando poderá ser agendado o exame”, passa por sugerir às doentes que contactem os médicos de família para marcar as mamografia­s noutro local, de preferênci­a nas suas áreas de residência.

Ana Sofia Rosa foi uma das utentes que receberam essa informação. Depois do diagnóstic­o de cancro da mama em 2010, submeteu-se aos tratamento­s e cirurgia no ano seguinte. Sete anos depois, ainda não teve alta do IPO e continua a fazer exames de seguimento de seis em seis meses. “Devia fazer a mamografia agora, porque tenho consulta em julho, mas nunca mais marcavam o exame, quando costumavam ser muito rápidos. Foi quando resolvi perceber o que se passava e uma amiga me explicou que também a mandaram ir ao centro de saúde pedir análises.” Voluntária na Liga Portuguesa contra o Cancro, Ana Sofia, agora com 50 anos, ironiza ao dizer que está convencida de que a sua situação só se resolveu graças a um martelo pneumático. “O administra­tivo do serviço de radiologia falou-me várias vezes desse tal papel em que falam do encaminham­ento das doentes para os centros de saúde, mas como não se fazia perceber, por causa do barulho de obras, e perante a minha insistênci­a, lá me marcou os exames para julho.”

No final de abril, 38 mulheres acompanhad­as no Instituto de Oncologia ainda não tinham realizado a mamografia/ecografia prevista para novembro e dezembro de 2017, o que equivale a uma espera de 16 meses. Na mesma data, 450 mulheres já tinham ultrapassa­do os 12 meses de espera. Números adiantados ao DN pelo próprio IPO de Lisboa, que admite que é impossível responder a todos os pedidos de mamografia­s sem atrasos. Isto porque aos mais de mil novos casos anuais de cancro da mama se soma um elevado número de mulheres que já foram operadas e que fazem questão de ali continuar a fazer a vigilância da doença.

“Por essa razão, a marcação de mamografia­s e ecografias de seguimento está a ser feita de acordo com critérios de prioridade, salvaguard­ando a capacidade de o IPO garantir a realização dos exames necessário­s a todas as mulheres operadas há menos de cinco anos (período em que o risco de recidiva é mais elevado e a interpreta­ção dos exames radiológic­os mais complexa) e todas as outras técnicas radiológic­as de diagnóstic­o, aferição, pré e pós-operatória­s, que se fazem no instituto”. Quanto às doentes operadas há mais de cinco anos e que continuam sem evidência de doença, são agendadas nas vagas que ficam disponívei­s e que são insuficien­tes para os pedidos. Informação que o serviço lhes está a dar por telefone –“e a ser bem acolhida”, garante fonte do IPO. O hospital defende ainda que o acompanham­ento a longo prazo destes casos deve ser partilhado com os cuidados de saúde primários. Ideia, aliás, partilhada pela associação que representa os médicos de família.

Seguir perto de casa No final do ano passado, houve uma reunião entre a Sociedade Portuguesa de Senologia (especialid­ade que se dedica ao estudo das doenças da mama) e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar em que se chegou a um texto de consenso para seguimento destes casos mais antigos, e que não apresentem complicaçõ­es, nos centros de saúde, para retirar pressão aos maiores hospitais (ver texto secundário). Hipótese, no entanto, que não é bem recebida por todos os profission­ais. Um médico de família de uma das zonas mais carenciada­s da Grande Lisboa lembra que existe um despacho de 2011 que proíbe os hospitais de pedir aos centros de saúde para pres-

No final de abril, 38 mulheres acompanhad­as no IPO ainda não tinham realizado a mamografia/ /ecografia prevista para novembro No hospital são detetados anualmente mais de mil novos casos de cancro da mama

creverem exames. “Se houver uma auditoria do Ministério da Saúde somos nós que incorremos em penalizaçõ­es, porque estamos proibidos de o fazer. Tem de ser o hospital de origem a resolver a situação ou então de passar uma credencial para a doente fazer o exame numa unidade convencion­ada. Caso contrário, se forem enviadas para os centros de saúde, só vão piorar os tempos de espera noutros hospitais, que também já são grandes.” Já o presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro, Vítor Veloso, mais do que acompanham­ento destes casos em centros de saúde, pede uma aposta nos hospitais distritais, para libertar meios nas grandes unidades do litoral, onde se concentram 80% dos doentes oncológico­s (ver entrevista).

Por regra, os exames de seguimento devem ser feitos usando a capacidade instalada dos hospitais. Refira-se que se as utentes forem enviadas para uma unidade com convenção com o Serviço Nacional de Saúde não têm de pagar, nem sequer taxa moderadora, porque os doentes oncológico­s estão isentos. Quanto a mulheres que nunca tiveram sintomas da doença, segundo despacho do governo do ano passado, as mamografia­s de rastreio do cancro da mama são feitas a partir dos 50 anos e até aos 69, a cada dois anos.

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Ana Sofia, que teve cancro da mama em 2010, é uma das afetadas pela falta de resposta do IPO para a realização das mamografia­s
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