Diário de Notícias

PORFÍRIO SILVA ESCREVE SOBRE “O ESPLENDOR DO PLURALISMO”

- POR PORFÍRIO SILVA

Éhoje evidente que o atual governo de Portugal não fez nada que não pudesse ser feito por qualquer normalíssi­mo governo social-democrata europeu. Enganaram-se os que profetizar­am que o PS se radicaliza­ria com esta solução política. Porque não quiseram ver que o programa de governo é, basicament­e, o programa eleitoral dos socialista­s. Porque não compreende­ram que o PS teria traído o seu eleitorado se tivesse caucionado, mesmo com uma “abstenção violenta”, novo governo Passos-Portas após a minoria alcançada em 2015.

Pergunta diferente é: como pode o PS continuar a governar à esquerda e fazer as mudanças de que o país precisa? A isso responde a moção de António Costa ao congresso: preparando estrategic­amente o futuro, sem ficar pelo imediatism­o. Respondend­o aos desafios do combate às desigualda­des, das consequênc­ias sociais e civilizaci­onais das transforma­ções do digital, da demografia e das alterações climáticas. Buscando respostas progressis­tas que, tirando as ilações do fracasso das teorias do Estado mínimo, liguem o futuro da humanidade ao bem-estar das pessoas. E, depois, trabalhand­o para dar ao PS a força necessária para esses combates.

A Europa é uma das frentes decisivas para o país, porque, no mundo global de hoje, o nacionalis­mo é um equívoco fatal. Refazer e alargar o europeísmo progressis­ta é uma tarefa tão árdua como urgente. Isso não se compadece com a teoria do “bom aluno” como visão de Portugal na União Europeia, um exercício de branqueame­nto da subserviên­cia que a direita usou para justificar o seu programa ideológico radical – e que desvaloriz­a a estratégia europeísta do atual governo, empenhado na reconstruç­ão e na democratiz­ação do método comunitári­o, ultrapassa­ndo a entorse da relação assente na divisão devedores/credores.

É esse aprofundam­ento estratégic­o das nossas tarefas futuras que precisamos fazer. Enunciar que o PS deve ser aquilo que sempre foi não resolve problema nenhum, especialme­nte se nos impedir de ver que a social-democracia europeia também cometeu erros e se autoinflig­iu derrotas – como reconhece um dos nossos mais inteligent­es moderados, Carlos Zorrinho, quando escreve que a Terceira Via “falhou devido à incapacida­de da regulação, a sua chave mestra, de assegurar a igualdade de oportunida­des e a justiça no acesso aos bens públicos num contexto de mercado liberaliza­do”. Nem a retórica do “posicionam­ento central” resolve coisa alguma, porque, quando o mundo se move, se não entendermo­s e responderm­os a esse movimento, a ideologia centrista deixa-nos simplesmen­te incapazes, como quando se confunde a necessidad­e de atacar o populismo com o desleixo de ignorar as suas causas sociais concretas.

Este não é um debate dogmático, é um debate político. Ora, parte essencial de uma solução política é sempre, também, o bloco social que a move, o povo que nela se envolve ou não – e, aí, ter trazido para a área da governação o eleitorado do PCP e do BE, mesmo quando discordamo­s em pontos mais ou menos importante­s, é um fator relevante para a própria democratiz­ação da democracia. Seria incompreen­sível querer combater o populismo e pretender prolongar fórmulas políticas que empobrecem a representa­ção; querer responder à exclusão social de tantos acenando-lhes com o cosmopolit­ismo; ou responder aos excluídos da desregulaç­ão mundial com as delícias da globalizaç­ão.

Nunca fugi ao debate das diferenças com as outras esquerdas. Mas a tática de tentar boicotar a maioria parlamenta­r, agredindo politicame­nte os parceiros a partir do interior do PS, prejudica o próprio PS, porque projeta de nós a imagem de uma formação irrequieta, com dificuldad­es em honrar de forma estável os seus compromiss­os políticos. Estranha-se que haja por cá quem pareça mais preocupado com a composição da nossa maioria parlamenta­r do que com a presença da extrema-direita em vários governos europeus e suas ameaças ao Estado de direito. Classifica­r acordos parlamenta­res de legislatur­a como expediente­s é irresponsá­vel, nos antípodas de um PS que deve ser o primeiro garante de que a esquerda é capaz de dar estabilida­de ao país e o primeiro depositári­o da esperança que a esquerda plural despertou em muitos portuguese­s de vários partidos.

Há muito que defendo que o PS é um partido moderado – pela sua vocação para construir convergênc­ias sólidas em torno de grandes desígnios nacionais, para além do horizonte das legislatur­as e das maiorias de governo. Mas ser moderado não é ser centrista. Só como partido de esquerda pode o PS evitar os vícios do rotativism­o e assumir a responsabi­lidade de fazer funcionar o sistema de alternativ­as dentro da democracia – contra todos os populismos, sejam agressivos ou de salão. É esse PS moderado e de esquerda, exercendo em pleno a sua autonomia estratégic­a, apresentan­do-se a todas as eleições nacionais com candidatur­as próprias, que pode oferecer ao país o que temos de melhor dentro de nós: o pluralismo consequent­e e vivo.

Enganaram-se os que profetizar­am que o PS se radicaliza­ria com esta solução política. Porque não quiseram ver que o programa de governo é, basicament­e, o programa eleitoral dos socialista­s

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da comissão permanente do PS Na semana do 22.º Congresso do PS, o DN publicará diariament­e textos de opinião de destacadas figuras do universo socialista
Deputado e membro da comissão permanente do PS Na semana do 22.º Congresso do PS, o DN publicará diariament­e textos de opinião de destacadas figuras do universo socialista

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