Diário de Notícias

Uma “situação-limite” que dependerá do juízo do tribunal

Especialis­ta em direito administra­tivo diz que atuação de Siza Vieira é “censurável”, mas duvida de uma perda de mandato

- SUSETE FRANCISCO

O caso do ministro adjunto Pedro Siza Vieira é uma “situação-limite” cujo desfecho dependerá do entendimen­to do tribunal. José Vieira de Andrade, professor catedrátic­o da Faculdade de Direito da Universida­de de Coimbra, não tem dúvidas de que o ministro incorreu numa situação “censurável” ao acumular a função governativ­a com o cargo de sócio-gerente de uma empresa, mas não toma por certo que a incompatib­ilidade resulte numa demissão administra­tiva. “Ter como resultado a perda de mandato já é outra coisa”, diz ao DN. Para este especialis­ta em direito administra­tivo, “será relevante a circunstân­cia de [a acumulação] ter sido por pouco tempo e que tenha sido o próprio a retificar”. Quanto ao facto de o ministro ter alegado desconheci­mento da lei, Vieira de Andrade diz que “os juristas não têm de saber tudo, mas a ignorância da lei não aproveita”.

Siza Vieira abriu uma empresa de compra e venda de bens imobiliári­os e consultori­a empresaria­l na véspera de tomar posse como ministro, a 21 de outubro de 2017, mantendo-se como sócio-gerente não remunerado. De acordo com a notícia avançada pelo jornal online ECO, a informação consta da declaração de rendimento­s que o ministro entregou no Tribunal Constituci­onal (TC). Uma situação de incompatib­ilidade, dado que a lei estabelece que a titularida­de de cargos políticos e de altos cargos públicos é “incompatív­el com quaisquer outras funções profission­ais remunerada­s ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos. O ministro – que é jurista – já veio dizer que “não tinha noção” da incompatib­ilidade. Ao DN, o gabinete de Siza Vieira afirmou que “na entrega do seu registo de interesses na Assembleia da República, o ministro adjunto constatou que deveria renunciar ao cargo de gerente na sociedade familiar, ainda que este não fosse remunerado. Foi o que fez em janeiro de 2018, tendo então retificado o seu registo de interesses na Assembleia da República”. Já a “declaração junto do Tribunal Constituci­onal não foi ainda retificada”. Neste momento, Siza Vieira é “sócio não gerente da sociedade em questão, não existindo nenhuma incompatib­ilidade na detenção de uma quota numa sociedade”, diz ainda o gabinete do ministro.

A Procurador­ia-Geral da República anunciou, na quarta-feira à noite, que o Ministério Público vai analisar as declaraçõe­s de incompatib­ilidade e de rendimento­s do ministro adjunto. Em função dessa análise, o “Ministério Público poderá pronunciar-se sobre a existência ou não de incompatib­ilidades, que submeterá à apreciação do Tribunal Constituci­onal”. Caso fique comprovada uma situação de incompatib­ilidade – que o ministro já admitiu –, a consequênc­ia pode ser a demissão. A questão está agora no foro jurídico, dado que, politicame­nte, António Costa já deixou claro que não haverá consequênc­ias do que designou como um “lapso”.

Constituci­onal “não falhou” Ontem, o presidente do Tribunal Constituci­onal veio rejeitar que tenha havido uma falha no controle da declaração entregue pelo ministro ao TC. “As pessoas entregam as declaraçõe­s, o Ministério Público analisa-as e o Ministério Público propõe ao Tribunal Constituci­onal o que tiver por convenient­e. O Tribunal Constituci­onal não falhou nenhum passo”, afirmou Costa Andrade. O juiz que preside o TC também rejeitou que tenha havido falhas do Ministério Público, dado que esta entidade “tem centenas de declaraçõe­s para analisar”. Questionad­o sobre se poderá haver outras situações de incompatib­ilidade não detetadas, Costa Andrade terminou com um “não faço a mínima ideia”.

 ??  ?? Ministro adjunto esteve em situação de incompatib­ilidade durante cerca de dois meses
Ministro adjunto esteve em situação de incompatib­ilidade durante cerca de dois meses

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal