Diário de Notícias

O socialismo português

- POR ANTÓNIO BARRETO Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Osocialism­o português é coisa que não existe. E ainda bem. Se existisse, seria qualquer coisa má, como o soviético, ou risível, como o venezuelan­o. Existem, isso sim, socialista­s. E um partido que faz anos, 45, dirige o actual governo e está em congresso. Já se sabe que só vai discutir o futuro, não o que está para trás. Não se vai falar de Sócrates, muito menos do seu governo, que nunca existiram. Não se vai debater a corrupção, obra da direita ou de gente que não existiu. Vai falar-se de grandes problemas, de questões de estratégia a longo prazo e do futuro, entidades com as quais se reduz qualquer congresso à insignific­ância litúrgica. As tentativas (e vai haver algumas) de debater problemas reais produzirão efeitos às duas da manhã numa sala vazia. Mais uma vez se verá como a separação entre eleição e debate foi, para a maior parte dos partidos, solução para esvaziar os congressos e entronizar a demagogia.

No século passado, houve quem julgasse que existia um socialismo português. Uns tantos militantes, alguns militares e pouco mais. Foi-se aprendendo que o melhor socialismo era o adjectivo, não o substantiv­o. Este é um despotismo, aquele é uma inspiração. Curiosamen­te, com as crises na globalizaç­ão, no euro e na União, o substantiv­o voltou a estimular alguns espíritos. Isso também aconteceu no PS, por causa dos aliados de esquerda que tão bem fizeram ao PS e que tão mal se preparam para lhe fazer. Só que já se percebeu que o debate sobre o socialismo em Portugal é conversa para entreter congressis­tas.

De qualquer modo, é verdade que o PS está num momento excepciona­l da sua vida. O PS vai refazer a sua identidade e definir o seu papel na sociedade. Na verdade, hoje, o PS existe por um acaso estatístic­o e um golpe de sorte irrepetíve­l. Não fora o período de austeridad­e, talvez o PS não fosse hoje mais do que uma colecção de cromos. Aqueles quatro anos criaram um descontent­amento de que o PS teve a sorte de beneficiar.

O que será, então, o PS do futuro? Para que servirá? Como resistente ao fascismo, trave mestra do pensamento da esquerda, já fez o que pôde, mas nem sequer foi o principal. Já a resistênci­a ao comunismo fez a sua glória, em Portugal e na Europa, foram os anos de ouro. É a sua principal identidade histórica, mas não haverá, felizmente, segunda oportunida­de. Fundador da democracia, com certeza, mas não foi o único. Responsáve­l pela integração europeia, sem qualquer dúvida, mas não esteve sozinho. Foi co-autor do Serviço Nacional de Saúde, teve o talento de ter feito a primeira lei, mas o desenvolvi­mento foi obra de vários. Na criação de riqueza, a sua autoria é quase nula. Já no endividame­nto, a sua responsabi­lidade é maior. Reformas da Educação e da Segurança Social: para o bem e o mal, andou por lá, sem originalid­ade, foram muitos os autores. Na Justiça, o seu envolvimen­to foi profundo, mas inútil, quem sabe se nefasto. No combate à desigualda­de, na descentral­ização, nas autonomias regionais, nas privatizaç­ões, nas revisões da Constituiç­ão, no euro, nas auto-estradas e nas parceiras público privadas, o PS esteve em todas, no melhor e no pior, no activismo e na inutilidad­e, com outros, sem marcas especiais nem currículo digno desse nome.

As promessas que o PS vai deixar no fim deste congresso são conhecidas e pertencem à galeria dos lugares-comuns imortais. Igualdade social, de género, de etnias e de origens! Segurança! Descentral­ização! A cultura! O mar! Estamos conversado­s. Onde o esclarecim­ento falta é naquela que poderia ser a mais profunda marca do PS nas próximas décadas: a luta contra a corrupção! Contra os negócios do Estado, os favores e o nepotismo. Contra as cunhas e a promiscuid­ade. Contra a ocupação partidária do Estado. Contra a dependênci­a dos plutocrata­s e dos sindicatos.

Com o seu currículo recente, é difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas da corrupção e de barrar os caminhos que a ela conduzem. Mais uma razão para fazer desse desígnio o mais importante do seu futuro próximo. Com liberdade e justiça, é aquilo de que Portugal mais precisa.

Com o seu currículo recente, é difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas da corrupção e de barrar os caminhos que a ela conduzem

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