Ivica Maricic “Sucesso da Croácia na Expo’98 foi água e filme num ecrã de 360º com Adriático”
Conversamos no Parque das Nações, em português, e o atual embaixador croata recorda-se bem como o pavilhão do seu país teve ali um grande êxito junto dos visitantes há 20 anos na Exposição Mundial dedicada aos mares. Esse evento na capital portuguesa em 1
Embaixador da Croácia em Portugal foi o responsável pelo pavilhão do seu país na Expo’98. E conhece bem a história das nossas relações. Sou um dos muitos portugueses que se lembram ainda do Pavilhão da Croácia na Expo’98. Enquanto responsável por esse pavilhão, qual foi o segredo desse impacto? O segredo é que foi um pavilhão onde, pela primeira vez, decidimos utilizar as formas de representar o nosso país e o tema ligado com o mar de uma forma diferente. Pela primeira vez foi utilizado um filme num ecrã de 360º onde passavam cenas da costa do Adriático da Croácia. Os visitantes tiveram a impressão que se encontravam mesmo no local. Outro detalhe importantíssimo foi o chão, que era de vidro, pela primeira vez usado desta forma neste tipo de eventos e que foi produzido numa fábrica em Itália. Era completamente transparente, não tinha molduras nem rebordos e por baixo estava água, que dava a sensação que mexia porque tinha geradores que provocavam pequenas ondas. As luzes estavam reduzidas, só esta sensação de mar no chão estava iluminada, mais o ecrã, e as pessoas quando entravam tinham quase um susto, pensavam pisar água. Além desse impacto como país que também queria ser turístico, havia a afirmação internacional da Croácia como país recém-independente da Jugoslávia, certo? Foi a primeira grande divulgação da Croácia num evento internacional como país independente. Até uns meses antes algumas partes da Croácia estavam sob ocupação mas nós não falámos desse problema no pavilhão. Optámos por uma mensagem positiva e por tudo o que é bom: a natureza, o mar. Isso também foi uma surpresa e muitos comentaram porque estavam a pensar que íamos falar de guerra e destruição. Foi uma mensagem absolutamente positiva. Como é que um homem que é hoje embaixador da Croácia em Portugal aparece como responsável do pavilhão da Croácia na Expo’98? Qual a sua ligação a Portugal? É uma ligação de há muitos anos, ainda antes da Expo. Depois da minha pós-graduação na Colômbia, em 1986, decidi ficar cá e comecei a trabalhar como arquiteto aqui em Portugal. Quando a Croácia abriu a primeira embaixada em 1994, em Lisboa, chamaram-me para ajudar e a partir daí o meu ponto principal de colaboração com a embaixada foi o facto de já ter essas informações de que Portugal tinha começado os preparativos para a Expo’98. Foi o motivo principal pelo qual me desloquei à embaixada e fui eu que transmiti a informação da Expo’98 às autoridades croatas e daí as entidades decidiram a participação. Foi o início de uma nova carreira? Sim, porque, pouco a pouco, da minha carreira de arquitetura fiz a transição para a diplomacia. A participação na Expo teve muitos conhecimentos diplomáticos e contactos, pois foram várias as entidades que visitaram o nosso pavilhão, como Mário Soares. Para mim, foi uma combinação, quase sem querer, da arquitetura e de contactos políticos, culturais, até de muitos eventos culturais, que foram organizados paralelamente com o nosso pavilhão. Houve duas exposições extremamente importantes na altura: uma no Museu Nacional de Arqueologia, que se chamava “Transparências imperiais, vidros romanos da Croácia”, uma coleção grande de todos os museus arqueológicos da Croácia sobre a estética do Império Romano, e para esta exposição a famosa editora italiana Skira editou pela primeira vez um catálogo em língua portuguesa. Ao mesmo tempo em Alcochete, no Museu de Arte Sacra, foi organizada a exposição “Tradição Marítima Croata” que chamou muito a atenção, de tal forma que o príncipe Carlos de Inglaterra, pela sugestão do embaixador britânico em Lisboa, foi visitá-la e posteriormente foi também organizada no Museu Marítimo de Greenwich. Fala perfeitamente português, a sua presidente esteve há pouco tempo em Lisboa e também sabe português. Que relações históricas há entre a Croácia e Portugal? Começaram ainda antes dos vossos Descobrimentos, porque os marinheiros da costa croata cruzavam-se com os portugueses no Mediterrâneo. Depois, uma comunidade de comerciantes de Drubovnik por via terrestre chegou a Goa e construiu lá uma colónia importante – os portugueses já lá tinham chegado antes por via marítima – e o testemunho disto é a Igreja de São Brás, o protetor da cidade de Drubovnik. E quando houve a expulsão dos judeus de Portugal, muitos deles fugiram para zonas costeiras da Croácia e tornaram-se importantes, como Amato Lusitano, que era um médico que prestava serviços às populações da
costa, e um outro, que se tornou um dos poetas mais conceituados da literatura renascentista croata. Depois houve vários contactos, como o famoso Marko Marulic, chamado o “pai da literatura croata”, cosmopolita de Split no século XVI, que exerceu uma influência muito forte sobre a ética e religião na literatura portuguesa na época pela sua obra De Institutione, traduzida para português. Recordo também Juraj Krizanic, ecumenista, erudito, teólogo, musicólogo e lusófilo croata que supervisionou a edição das obras musicais de D. João IV. Depois houve um outro jesuíta croata que foi mandado por D. Pedro V para a América do Sul para fazer a divisão das fronteiras entre Espanha e Portugal e ficou preso em São Julião da Barra e só depois da queda do marquês de Pombal é que foi libertado. Também há um almirante croata da frota de Dona Maria I que se tornou governador de CaboVerde, e a sua filha foi a primeira mulher poeta portuguesa, tendo grande influência na literatura e jornalismo. A República de Drubovnik também abriu o primeiro consulado em Lisboa em meados do século XVIII. Portanto, houve sempre ligação entre os dois países. Outro fator importante, o reconhecimento internacional em 1992 chegou de Lisboa, pois Portugal estava na presidência da CE. E hoje quando visita o Parque das Nações, e sendo arquiteto de formação, acha que Lisboa ganhou um espaço de excelência? Lisboa, ao contrário do que aconteceu em Sevilha em que a zona nova ficou depois da Expo’92 completamente abandonada, aproveitou muito bem. Lembro-me que esta zona tinha uma antiga refinaria. Foi um megaprojeto, ideia de António Mega Ferreira, que resolveu dar nova vida a esta zona afinal tão próxima do centro histórico. Sabendo eu da experiência de Sevilha, estava sempre com dúvida sobre o que seria da Expo’98, porque os antigos pavilhões nacionais eram edifícios temporários que foram destruídos depois. Mas a zona ganhou nova vida, começando pela entrada principal da Expo que se tornou um centro comercial muito bonito, e outros pavilhões temáticos foram aproveitados. Também as zonas dos pavilhões nacionais foram aproveitadas para a construção de edifícios, quer comerciais quer de habitação. Toda a zona começou uma vida nova e como arquiteto acho que o espaço foi muito bem aproveitado e passados 20 anos esta zona vive e cresce cada dia mais.