Diário de Notícias

John McEnroe “Derrotar Nadal em cinco sets em terra batida é o desafio mais difícil do ténis”

- RUI FRIAS

You cannot be serious, vociferava o rebelde John McEnroe pelos courts nos anos 1970 e 1980, em protesto com os juízes. Agora, comentador televisivo no canal Eurosport, adapta a famosa frase para falar do domínio de Rafael Nadal em Roland-Garros e na terra batida. “É quase inacreditá­vel”, diz o lendário ex-jogador norte-americano, que por isso lamenta o azar de João Sousa, tenista português que está na rota do espanhol (e líder mundial) para a segunda ronda. Segundo torneio do Grand Slam da época, Roland-Garros arranca hoje em Paris (transmissã­o no Eurosport até 10 de junho)

Em quem aposta para ganhar neste ano Roland-Garros no quadro masculino e no feminino. E porquê? Bom, eu iria pela resposta óbvia nesta altura. Pensar que Rafa [Nadal] não vai ganhar... é possível, mas não parece muito provável nesta fase encontrar alguém capaz de o bater em cinco sets em Roland-Garros. Seria interessan­te ver quem seria capaz de o fazer e espero que os bons tenistas mais jovens entrem em court com essa mentalidad­e. Mas de momento não estou a ver quem. Quanto às mulheres, seria interessan­te ver [Simona] Halep ganhar o seu primeiro Grand Slam. Não estou superconfi­ante de que ela o vá fazer, mas aposto nela. Mas há uma série de tenistas capazes de a vencer, o quadro feminino é muito mais aberto. Como é que um antigo campeão como John olha para este domínio avassalado­r de Rafa Nadal em terra batida? Consegue perceber e explicar que um tenista seja assim tão superior aos outros numa determinad­a superfície? Gostava de saber, teria tentado fazê-lo eu mais vezes. Mas acho que é a sua atitude, além de ser um excelente jogador e um incrível talento, claro. A sua vontade de ganhar e a sua competitiv­idade são o que torna tão difícil enfrentá-lo. O jogo dele é um pesadelo para quem tem de o defrontar: é fisicament­e muito forte, tem um spin tremendo... Faz-me lembrar quando eu defrontava o [Bjorn] Borg, ele era uma parede humana e toda a gente ficava intimidada a jogar contra ele, porque não conseguiam fazer passar a bola. Nadal é desse estilo, tem esse poder de intimidaçã­o. Quando ele está do outro lado do court, sentes que ele já quase ganhou a qualquer um ainda antes de começar a jogar. É uma das coisas mais espantosas que já vi, porque em terra batida o jogo é um teste físico e, se não estiveres a sentir-te bem, deveria haver uma série de jogadores capazes de te bater. E isso mostra o quão bem preparado ele tem estado ao longo dos anos. Não sei, não consigo ver qualquer outro jogador que pudesse ter ganho um major tantas vezes como ele ganhou em Paris. É quase inacreditá­vel. João Sousa está na rota de poder defrontar Nadal na segunda ronda. Calculo que não aposte no João para derrotar o n.º 1 do mundo, mas como tem visto a evolução dele no circuito? Ele tem feito uma boa carreira. É um profission­al sólido, tem estado bem em terra batida e é um excelente jogador. Ele costuma fazer grandes jogos, vai enfrentar Guido Pella, que é outro jogador que, tal como o João, também sabe usar bem o court, por isso deve ser um encontro bem competitiv­o. Depois disso será todo um outro nível diferente na segunda ronda. Já o vi jogar bem em terra batida, já o vi jogar muito bem em alguns jogos e em alguns sets, mas quando se tem de manter esse nível durante todo o tempo e contra alguém tão bom como Nadal, aí é quando se separam os bons dos grandes. Esse é o problema. E a coisa mais difícil de se conseguir no ténis, na minha opinião, é bater o Rafael Nadal em cinco sets em terra batida.

Não vê ninguém capaz de o fazer neste torneio? É possível, claro, mas é muito difícil. Eu olho para o quadro e pergunto quem será capaz de o vencer ali, especialme­nte à melhor de cinco sets. Não há muitos jogadores capazes de o fazer. Soderling fê-lo há uns anos. Novak Djokovic é uma possibilid­ade, já o fez, mas é difícil dizer em que estado está. Zverev tem potencial mas não tem mostrado que o possa fazer em cinco sets. Thiem tem mostrado que pode ser explosivo, mas também não o mostrou em cinco sets. A pessoa que o tem derrotado mais vezes é ele próprio, quando não consegue estar a 100%. Acha que é bom para o jogo ter alguém como o Rafa Nadal a ganhar 11 vezes em Roland-Garros, ou seria melhor para a modalidade termos alguns jovens a emergir e a serem capazes de ganhar Grand Slam também? Podemos olhar para isso das duas formas: é um cenário win-win. Penso que isso apenas mostra o quão bom ele é, por ter sido capaz de ganhar assim de forma tão consistent­e ao longo da carreira, e devemos-lhe esse nível extra de respeito. Mas, para mim, seria interessan­te ver alguns jovens nomes a aparecer, ver caras novas a ganhar um Grand Slam, perceber quem poderá lutar pelo topo do ténis nos próximos cinco ou dez anos. A porta está aberta. Rafa e Roger não vão jogar eternament­e (bom, talvez possam...), não sabemos se Novak vai voltar ao seu nível, há um ponto de interrogaç­ão sobre Andy. Há uma porta aberta para estes novos valores aparecerem, seja Zverev, Shapovalov... para mim, seria interessan­te ver quem vai marcar os próximos anos. Dominic Thiem foi o último a ganhar a Nadal em terra batida, duas vezes. É o principal nome para acabar com o domínio de Rafa, a curto prazo? Penso que é um dos poucos. Estou à espera de Zverev para ganhar um Grand Slam, Thiem também, Novak está a regressar ao caminho correto. Mas não me parece que haja muitos mais. Alexander Zverev já ganhou três Masters 1000, mas ainda não chegou sequer aos quartos-de-final de um Grand Slam. Como explica isso? Acho que ele vai ganhar um Grand Slam. É preciso um processo mental para se adaptar a um Grand Slam, passar por partidas de cinco sets e estar fisicament­e apto também. Acho que ele colocou muita pressão nele próprio e tornou-se um bocado defensivo em demasia. Precisa de jogar de forma mais agressiva. Tem-no feito no último mês e obtido bons resultados. Nesta fase não há motivos para que não seja capaz de fazer um bom torneio em Roland-Garros. Não deveria haver muitos jogadores capazes de o bater em cinco sets. Se não fizer uma longa campanha num dos próximos dois ou três majors, ficarei muito surpreendi­do. É tempo de mostrar aquilo de que é feito. Quanto a Novak Djokovic, como vê o seu nível nesta altura? Podemos esperar finalmente um regresso ao melhor nível, em Roland-Garros? Não estou seguro se ele sente e acredita que está pronto para voltar a ganhar

e passar por duas semanas de partidas à melhor de cinco sets. É um bocado imprevisív­el, mas parece que está melhor, mais perto do seu nível do que há seis meses, por exemplo. Segurament­e. E é poucos jogadores que sabemos que pode bater Nadal, se estiver bem. Olhando para o setor feminino, é justo Serena Williams não ser cabeça-de-série depois de ter sido mãe? Acha que as regras devem ser revistas? Pessoalmen­te, acho que ela deveria ser cabeça-de-série. E não me parece que as outras tenistas se fossem queixar. Obviamente que ela deixou de jogar, mas tem trabalhado para o seu regresso e ninguém duvida de que é uma das mais perigosas tenistas do quadro. Não sei em que lugar deveria ter sido colocada, mas deveria ter sido uma das primeiras dez cabeças-de-série do torneio. O que podemos esperar dela neste regresso? Se ela conseguiu colocar-se em condições de regressar, ninguém sabe os limites do que ela poderá fazer. Já provou que pode ganhar em qualquer altura. Não sei em que estado está a sua saúde, quanto treinou, de que forma.

“O João [Sousa] tem feito uma boa carreira. É um profission­al sólido, tem estado bem em terra e é um excelente jogador”

“Acho que Serena deveria ser cabeça-de-série. E não me parece que as outras tenistas se fossem queixar”

Mas sei que Serena Williams não precisa de jogar muitas partidas para fazer estragos. E não há muitos jogadores assim. Roger [Federer] provou que pode fazê-lo, mas é muito difícil. Mas Novak [Djokovic], Andy [Murray]e Stan [Wawrinka] são a prova de que não é fácil voltar ao topo depois de longas paragens. Este é o teste mais duro para Serena. Seria mais surpreende­nte se conseguiss­e já conquistar Roland-Garros, mas não seria um choque completo. Simona Halep é a n.º 1 a quem falta um título do Grand Slam. Acha que é a favorita para vencer desta vez? Não sei. Ela sucumbiu à pressão algumas vezes. Tem estado muito perto, mas não sabemos como vai reagir neste ano. Certamente todos pensávamos que ela ia ganhar no ano passado. Mesmo na Austrália teve oportunida­de. Se conseguir voltar a colocar-se nessa posição vai ganhar um Grand Slam. Depende da forma como controlar as emoções. Ela tem mostrado muito coração e espírito competitiv­o. Penso que a final de Roland-Garros do ano passado foi o golpe mais duro para ela. Ela deveria ter ganho essa final.

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