O 1X2 da moção de censura ao governo de Rajoy
Na sequência da condenação de dirigentes e do próprio Partido Popular no caso Gürtel, o PSOE de Pedro Sánchez avançou com uma moção de censura. Para ter sucesso, o dirigente socialista terá de mostrar dotes de negociador e alcançar o
apoio dos partidos nacionalistas catalães e bascos ou do Ciudadanos. A moção de censura não avança
› Não é provável, mas pode dar-se o caso de a moção de censura não cumprir algum requisito e ser invalidada pela Mesa do Congresso. A Constituição espanhola e o regulamento parlamentar exigem que a iniciativa seja subscrita por 35 deputados, pelo menos, e que inclua um candidato para substituir a chefia do governo. A moção do PSOE tem o apoio integral da sua bancada, ou seja, de 84 representantes socialistas. E indica um não deputado – o secretário-geral do partido, Pedro Sánchez – candidato ao cargo, o que também é válido. Outra hipótese de a moção não ir a votos é dar-se ainda o caso de PSOE e PP se concertarem: o primeiro retiraria a moção e Mariano Rajoy convocaria eleições antecipadas.
Vai a votos, mas só em junho
› Se a moção estiver conforme os regulamentos, cabe à presidente do Congresso, Ana Pastor (do PP), agendar a moção, tendo em conta os compromissos do primeiro-ministro. Da apresentação à votação há um período mínimo de cinco dias, podendo ser apresentadas nas primeiras 48 horas moções alternativas. Estas seriam discutidas e votadas no mesmo plenário. Contas feitas, a votação só ocorre em junho.
PSOE não arregimenta aliados
› A aritmética indica-nos que uma moção de censura só vinga quando votada favoravelmente por 176 deputados, pelo menos. Além dos 84 votos dos socialistas, já se sabe que conta com o Unidos Podemos (67 deputados). Pablo Iglesias, a meio de uma crise interna que lhe pode custar a liderança – um plebiscito online por parte dos militantes que termina hoje –, afirmou que apoia de forma incondicional a moção de censura para “desalojar os corruptos”, mas lembrou que é necessário instaurar um programa social. Além do Podemos, há ainda os votos garantidos de Compromìs (quatro) e Nova Canárias (um), o que é insuficiente para o sucesso da iniciativa, uma vez que fica a 20 votos da aprovação. Com mais ou menos apoios, se a moção não passar, o plano de Mariano Rajoy passa por convocar eleições antecipadas para março de 2019, ou, caso a situação política se deteriore, para este outono, revela o La Vanguardia. Publicamente, no entanto, o chefe do governo reafirmou que é seu objetivo cumprir a legislatura, iniciada em novembro de 2016.
Sánchez pisca o olho aos nacionalistas
› Nas próximas horas Pedro Sánchez e a sua equipa têm a missão de convencer os restantes partidos. Mas obter o apoio simultâneo de nacionalistas (PNV, Bildu, PDeCat, ERC) e do Ciudadanos é visto como realizar a quadratura do círculo. Para catalães e bascos se aliarem aos socialistas, estes terão de afinar a mensagem. Sánchez relembrou que um governo seu “fará cumprir a Constituição”, uma outra maneira de dizer que apoia a manutenção em vigor do artigo 155.º na Catalunha. Mas poderá introduzir no discurso algumas nuances para chegar a um acordo com os nacionalistas. A chave, creem os analistas espanhóis, reside no Partido Nacionalista Basco (PNV), que tem sido parceiro do Partido Popular. Ainda na quarta-feira a formação centenária foi determinante para a aprovação do Orçamento Geral do Estado espanhol. No entanto, o partido liderado por Andoni Ortuzar já mostrou abertura para negociar com o PSOE. A “crise territorial do Estado” é uma das prioridades do PNV, que exige o reconhecimento do autogoverno no País Basco e na Catalunha.
CÉSAR AVÓ
Concessões ao Ciudadanos
› A primeira reação do Ciudadanos foi de que descartava a moção porque não queria substituir Rajoy por Sánchez, mas sim novas eleições. E que não alinharia num acordo em que estivessem incluídos os partidos independentistas catalães. À formação de Albert Rivera, os socialistas responderam ontem ao prometerem a realização de eleições num espaço de “alguns meses”, uma vez posta em funcionamento uma “agenda social” que passe pela subida de salários, pensões e mais verbas para a educação. O Ciudadanos propôs então que o PSOE retirasse a moção e se apresentasse outra, uma “moção instrumental”, sem Sánchez nem Rivera como candidatos. Mas essa figura não existe em Espanha. Mesmo que o PSOE decidisse ir de imediato para eleições antecipadas, estas só podem realizar-se 54 dias depois da convocação.
Já houve alguma moção de censura vitoriosa?
› Desde 1978, ano em que a Constituição da Espanha democrática entrou em vigor, foram apresentadas três moções de censura. A primeira, em 1980, ficou marcada por um debate que se prolongou por 20 horas. Foi apresentada pelo grupo parlamentar socialista contra o governo liderado por Adolfo Suárez, da União do Centro Democrático, mas os 152 votos favoráveis foram insuficientes para levar Felipe González para o poder. O socialista foi desafiado em 1987 pela Aliança Popular (antecessor do PP), mas apenas 67 deputados deram o “sim” à moção. Por fim, no ano passado, o Unidos Podemos apresentou Pablo Iglesias como alternativa a Mariano Rajoy e reuniu 82 votos favoráveis. Então, o PSOE acusou Iglesias de atuar de “má-fé” e de ser “irresponsável”.