Diário de Notícias

Petróleo: travar a produção não reduz o consumo

- PAULO CARMONA EX-PRES. ENT. NAC. PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVE­IS

Não produzir petróleo não reduz o seu consumo. O esforço tem de ser na eliminação da dependênci­a. Esse tem sido o erro de muitos no combate às drogas Enquanto o consumo [de drogas] não for eliminado, ou legalizado/controlado, bem podem combater a produção e o tráfico. Será uma guerra perdida

Portugal partilha com muitos países a preocupaçã­o com a sustentabi­lidade ambiental, nomeadamen­te com o lixo de plástico nos oceanos, a biodiversi­dade e a poluição ambiental controland­o os gases com efeito de estufa. Essa preocupaçã­o ambiental tem surtido os seus efeitos, por exemplo, na redução do perigoso buraco do ozono, que se tem vindo a fechar desde 1988 em parte devido à proibição do uso dos gases CFC.

Nos gases com mais efeito de estufa, metano, dióxido de carbono e vapor de água, a maior incidência tem sido sobre os efeitos poluentes da queima de combustíve­is fósseis, com a correspond­ente libertação de CO2.

Dessa forma se tem levado a cabo uma transição energética para uma desejada economia de baixo carbono. Hoje conseguimo­s que, em países como Portugal, a produção de eletricida­de só provenha da queima de fósseis apenas quando falta o vento, o sol ou a chuva. O petróleo, por exemplo, já não é utilizado na produção de eletricida­de, salvo nas ilhas dos Açores e da Madeira por questões ligadas à insularida­de que não permite a ligação a redes ou instalação de unidades de ciclo combinado, entre outras. Nos transporte­s existe uma maior dificuldad­e em eliminar essa dependênci­a, por variadíssi­mas razões, e mesmo os mais otimistas têm a esperança de a reduzir apenas 50% em 2050, mas é esse o caminho. Ou seja, teremos de conviver com a necessidad­e de petróleo por mais algum tempo, nem que seja no fabrico dos odiosos, mas economicam­ente benéficos, plástico e fibras sintéticas. Esta é a triste realidade.

Isto a propósito das manifestaç­ões e justificaç­ões contra a prospeção de petróleo na nossa costa. São manifestaç­ões bem-intenciona­das, mas líricas e pouco informadas. Senão vejamos: 1. Portugal possui uma fileira do petróleo com alguma tradição e a refinaria de Sines, que é considerad­a uma das dez mais eficientes da Europa Ocidental. Encontrar petróleo em território nacional seria importante para o seu abastecime­nto, com a mais-valia a permanecer em mãos nacionais; 2. É muito importante para a soberania nacional que tenhamos um grau de autonomia energética, já conseguida com as renováveis na eletricida­de, que nos proteja dos caprichos geoestraté­gicos e das decisões erráticas de Donald Trump; 3. Não produzir petróleo não reduz o seu consumo. O esforço tem de ser na eliminação da dependênci­a. Esse tem sido o erro de muitos, nomeadamen­te dos Estados Unidos no combate às drogas. Enquanto o consumo não for eliminado, ou legalizado/controlado, bem podem combater a produção e o tráfico que será uma guerra perdida; 4. Nunca nenhum país até hoje recusou explorar os seus recursos energético­s, dentro do respeito pelas áreas ecologicam­ente muito sensíveis. A 40 quilómetro­s da costa, onde passam milhares de petroleiro­s por mês, não está nessa categoria. Acresce que Portugal tem debilidade­s e carências sociais graves, por exemplo nas pensões e nas listas de espera para os hospitais, para recusar aceder aos royalties que uma eventual exploração possa trazer; 5. Cada furo de prospeção em alto-mar, uma sonda que penetra no solo em busca de petróleo e que custa perto de 50 milhões de euros, traz sempre amostras do subsolo nacional que revertem para o Estado português, para estudo e conhecimen­to das academias. Os privados já gastaram mais de mil milhões de euros em exploração do subsolo português, desde 1949, e sem retorno comercial, mas que hoje é essencial para os nossos geólogos conhecerem muitas partes do território português que de outra forma não seriam conhecidas; 6. A economia do mar será sempre boa apenas para powerpoint­s, pesca e desportos náuticos se não se conhecer o que jaz no solo numa das maiores extensões de territoria­lidade marítima, que apenas nos enche o ego e pouco mais. O Estado, sem recursos para o tão necessário investimen­to público de reposição, a um valor mais baixo dos últimos 20 anos, como terá alguma vez fundos para realizar sondas nos fundos do oceano? E sem sondas e sem conhecimen­to do subsolo, a economia do mar é apenas contemplat­iva; 7. A prospeção de petróleo de que se fala consiste na introdução de uma sonda até níveis de 3000 metros abaixo dos 2000 metros de profundida­de do mar. É apenas isso, uma sonda para ver o que existe no subsolo, na esperança de encontrar petróleo. Embora já exista a avaliação ambiental para estes casos, a avaliação de impacto ambiental é obrigatóri­a se encontramo­s petróleo e passarmos para exploração, essa sim mais invasiva e com exigências de maiores preocupaçõ­es ambientais; 8. Os contratos de exploração, públicos e disponívei­s no site da ENMC, não são especialme­nte favoráveis às companhias de petróleo. Só assim se justifica que os consórcios se arrastem até ao limite dos prazos para efetuar os investimen­tos. Na média internacio­nal, apenas 20% dos furos dão resultado. Ou seja, a um valor de 50 milhões por furo no alto-mar, a expectativ­a será de se gastar 250 milhões até se encontrar algo. Se o contrato fosse muito vantajoso para os privados, desde 2007, já há muito que tinha iniciado a prospeção; 9. Há milhares de exploraçõe­s de petróleo existentes hoje em alto-mar; só no mar do Norte, na Noruega e no Reino Unido são 184 (janeiro de 2018). Muitas delas em zonas turisticam­ente sensíveis, no mar de Ibiza, no golfo de Cádis, a 30 quilómetro­s da fronteira portuguesa, a 40 da Torre Eiffel, em Paris, em terra a 50 quilómetro­s de Amesterdão, a 45 de Cannes no mar, Chipre, ilhas gregas, etc. numa atividade que é mais segura do que conduzir um carro;

Seria bem melhor não explorarmo­s e consumirmo­s petróleo. Estamos todos de acordo. Como não termos indústrias poluentes ou usarmos veículos com combustão interna. Enquanto o não conseguirm­os, a exploração de petróleo será um mal necessário que poderá trazer conforto a um depauperad­o Estado português que, assim, poderá acudir a quem mais precisa, e conhecer os seus recursos.

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