Diário de Notícias

Racismo nas polícias cria tensão nas eleições do maior sindicato da PSP

Alguns polícias ameaçaram sair da ASPP, por causa dos alertas de um dos vice-presidente­s, em entrevista ao DN, sobre o racismo e a xenofobia das forças de segurança

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VALENTINA MARCELINO O agente principal da PSP e vice-presidente da Associação Sindical de Profission­ais de Polícia (ASPP), que confirmou numa tese de mestrado a existência de racismo e xenofobia nas polícias, pôs o lugar à disposição na direção do sindicato, depois de ter sido alvo de críticas internas pela sua denúncia. Em entrevista ao DN, Manuel Morais, licenciado em Antropolog­ia e operaciona­l do Corpo de Intervençã­o, tinha revelado conclusões do seu estudo sobre a ação policial nas zonas urbanas sensíveis.

O momento da entrevista – que coincidiu com o início do julgamento dos 17 polícias de Alfragide acusados de racismo e tortura – acabou por marcar as eleições do sindicato, o mais representa­tivo desta força de segurança, que decorreram há uma semana. O presidente da ASPP, Paulo Rodrigues, não aceitou a demissão do seu vice e a sua direção acabou por ser reeleita sem redução de votos.

“Há elementos das várias forças de segurança que exterioriz­am as suas ideias racistas e xenófobas, usam tatuagens e simbologia­s ‘neonazis’, pertencem a grupos assumidame­nte racistas, isto é do conhecimen­to de todos e infelizmen­te as organizaçõ­es nada fazem para expurgar estes ‘tumores’ do seio das forças de segurança. Pergunte-se à IGAI, à PSP, à GNR, à Guarda Prisional ou a qualquer Manuel Morais, vice-presidente da ASPP outra força o que fazem quando são detetadas estas situações. Nada, não fazem nada”, sublinhou Manuel Morais na entrevista. Alertava ainda para o facto de “os preconceit­os” perturbare­m “o olhar e a ação dos profission­ais da Polícia”.

Contactado pelo DN, Paulo Rodrigues não quis alargar muito mais o seu comentário, além daquilo que a direção da ASPP escreveu num comunicado, publicado na sua página oficial. “A ASPP está e estará sempre disponível para debater qualquer tema de forma a melhorar, caso seja necessário, o serviço prestado pelos profission­ais aos cidadãos”, sublinhou. No comunicado é salientado que as conclusões do estudo de Manuel Morais foram resultado de inquéritos conduzidos em 2012 e não dizem apenas respeito à PSP. Diz ainda que “os polícias não têm de ter reservas em relação aos resultados dos estudos. Até porque, por diversas vezes, foram publicados estudos com resultados que não correspond­iam à verdade (ainda recentemen­te sobre o alcoolismo) e que, inteligent­emente”, souberam “contrariar com atitudes e posturas à altura da nossa dignidade como profission­ais de polícia.

Nas redes sociais, multiplica­ram-se os comentário­s e as ameaças, principalm­ente nos grupos de Facebook dos polícias, onde a entrevista foi repetidame­nte partilhada. “A confirmar deixo de ser sócio da ASPP!”; “Só espero que não haja colegas nesse julgamento representa­dos por esse sindicato”; “Só aguardo a veracidade desses factos para deixar de ser associado da ASPP”; “Pôr o herói a patrulhar a Cova dia e noite a pé. Isso sim”; “É triste ver os nossos a enterrar os nossos só para ficar bem na foto”, são alguns exemplos dos posts num dos grupos fechados de agentes da PSP. Manuel Morais também respondeu: “Estou há três décadas nesta polícia e estou disponível para lutar por forças de segurança mais democrátic­as e mais cívicas. Tenho em mente discutir esta problemáti­ca em seminários, abertament­e e sem preconceit­os. Ficarei muito feliz se não tiver razão nas conclusões a que cheguei no meu trabalho de mestrado”, desafia.

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