CHUMBO À EUTANÁSIA
Projeto do PS foi o que esteve mais perto de passar. Não o conseguiu por cinco votos. Debate só voltará depois de 2019
NOVA VOTAÇÃO
OPINIÃO
SÓ DEPOIS DE ELEIÇÕES. AGORA É TEMPO DE DEBATER E DEBATER
DE MIGUEL OLIVEIRA DA SILVA: “PELA DISCUSSÃO SÉRIA E INFORMADA”
Os quatro projetos despenalizando a eutanásia foram ontem chumbados no Parlamento e da votação sobrou uma certeza: a morte assistida só será legalizada em Portugal quando houver na Assembleia da República uma relação de forças diferentes.
O PCP – decisivo no chumbo, com os seus 15 deputados, que se somaram aos 19 do CDS e mais de 80 do PSD – já disse que não vai mudar de ideias (como mudou, por exemplo, do “não” para o “sim”, na adoção de crianças por casais homossexuais, alterando o destino final da lei). E isto quer dizer que será preciso haver uma maioria de esquerda que se alcance sem o PCP (PS+BE+PEV+PAN) para haver uma certeza firme de aprovação da despenalização da eutanásia; se a isto se somarem mais votos a favor do PSD – ontem foram seis os deputados que votaram a favor, embora de diferentes projetos – melhor ainda, do ponto de vista dos defensores do “sim”.
Consciente desta realidade, a deputada Maria Antónia Almeida Santos, uma das principais autoras do projeto socialista, falou ontem, depois do chumbo, nesse calendário: “Próxima legislatura.” O Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina Martins, também anunciou que o seu partido insistirá (“haverá lei”) mas não se comprometendo com datas. Só que basta a indisponibilidade do PS para voltar a avançar ainda nesta legislatura para que todos as outras agendas, eventualmente mais céleres, caiam por terra. Nenhum agendamento seria feito contra os socialistas, nesta matéria. BE ataca PCP, PS evita O debate revelou fraturas entre a esquerda (a favor) e a direita (maioritariamente contra), mas também dentro da esquerda (o PCP votou contra, os restantes a favor, inclusive o PEV, que tal como o PS, o BE e o PAN tinha um projeto próprio).
O PS, na afirmação do seu projeto, evitou críticas ao PCP, mas o Bloco já não – muito pelo contrário. Mariana Mortágua recordou aos comunistas um argumentário pró-eutanásia de José Saramago (militante do PCP); e disse também que o partido estava do mesmo lado da barricada de Cavaco Silva e de Pedro Passos Coelho (ambos fizeram depoimentos pelo “não”). Até foi recordado pelo BE ao PCP que os comunistas espanhóis são a favor. Em vão.
Também o PEV, partido parceiro do PCP na CDU, criticou veladamente os comunistas, por estes terem insistido no argumento de que a “natureza do capitalismo” levou a que noutras experiências europeias (Suíça e Holanda) leis supostamente garantísticas não impeçam práticas altamente flexíveis (“Trata-se apenas de não ter a ingenuidade de pensar que soluções legislativas iguais possam reduzir inevitavelmente resultados diferentes”, disse António Filipe, o deputado que o PCP fez avançar para o debate). Na resposta, Heloísa Apolónia garantiu que com o projeto do PEV “isso não é possível”. E e se acontecesse “seria crime”, segundo garantiu.
Os argumentos de uma parte e de outra foram no essencial o que se esperava, num debate longe da temperatura de outros debates passados sobre as chamadas questões “fraturantes”.
Pelo lado do “não”, no final vencedor, avançaram para o púlpito Fernando Negrão (PSD), Isabel Galriça Neto (CDS) e António Filipe (PCP).
Fernando Negrão, pelo seu lado, centrou-se sobretudo em argumentos de oportunidade e de legitimidade. Recordando que nenhum partido – exceto o PAN – incluiu no seu programa eleitoral a defesa da despenalização da morte assistida, afirmou que “em matérias desta dimensão não podemos nem devemos apanhar os portugueses de surpresa”. Assim, sugeriu o adiamento do debate para a próxima legislatura dado que não houve, no seu entender, “suficiente debate e ponderação”. No PSD seis deputados (Teresa Leal Coelho, Paula Teixeira da Cruz, Margarida Balseiro Lopes, Duarte Marques, Cristóvão Norte e Adão Silva) votaram a favor de projetos despenalizadores mas todas as intervenções oficiais da bancada ficaram a cargo de defensores do “não” (mesmo sendo o líder do partido, Rui Rio, a favor). Além de Negrão, Rubina Berardo e Margarida Mano. Direito a morrer? “Um absurdo” Já no CDS, este foi um dos argumentos, mas não só. Isabel Galriça Neto disse que “o direito a morrer é um absurdo” e, além do mais, não é só um problema da liberdade individual de um doente, já que “estarão envolvidos terceiros que são verdadeiramente quem vai decidir sobre um qualquer pedido e quem executa a morte”.
Pelo lado dos partidos que apresentaram projetos, os argumentos também foram os esperados: todos disseram que estaria assegurada uma lei imune a tentações de flexibilização, que a vontade do próprio doente seria imprescindível, que está em causa a liberdade e a autonomia de uma pessoa em sofrimento insuportável decidir o seu próprio fim, que nenhuma morte assistida avançaria sem um longo processo de viabilização por autoridades médicas. Assegurou-se, além do mais, que não se defende a eutanásia para compensar a ausência de cuidados paliativos.