Diário de Notícias

A ÚNICA TESTEMUNHA ERA A VÍTIMA. E O TRIBUNAL ANULOU PRISÃO DE ABUSADOR REINCIDENT­E

Neto de Moura foi um dos juízes da Relação do Porto que decidiram invalidar este julgamento em processo abreviado. Foi considerad­o que há apenas um testemunho presencial, o da vítima, e faltam “provas simples e evidentes”

- DAVID MANDIM

Arguido já foi condenado em 2012, a uma pena suspensa de dois anos e meio de prisão, também por um crime de violência doméstica

Um homem condenado a três anos e quatro meses de prisão pelos crimes de violência doméstica e de ofensa à integridad­e física cometidos sobre a companheir­a irá voltar a ser acusado e julgado após a sentença de primeira instância em processo abreviado ter sido anulada pelo Tribunal da Relação do Porto, em 11 de abril. O juiz Neto de Moura, que é alvo de um processo disciplina­r devido a acórdão de 2017 relativo a um caso de violência doméstica, foi um dos desembarga­dores.

O arguido deste processo já tinha sido condenado em 2012 no tribunal de Matosinhos, por um crime de violência doméstica contra menores, a uma pena suspensa de dois anos e meio de prisão, sentença já transitada em julgado. Os dois desembarga­dores – o relator foi Lígia Figueiredo – considerar­am que o julgamento em processo abreviado não era admissível. O processo abreviado é uma das formas especiais de processo penal e caracteriz­a-se pela redução de prazos e pela supressão de certas fases processuai­s. É o Ministério Público que pode requerer esta forma nos casos em que “o crime seja punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos e houver provas simples e evidentes de que resultem indícios suficiente­s de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente”.

Neste processo que correu no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia foi seguida esta forma de julgamento, de modo indevido, aponta a Relação do Porto. “Não se pode ter como verificado o pressupost­o processual relativo à aplicação do processo abreviado relativame­nte à existência de provas simples e evidentes, quando tendo presente os depoimento­s das sete testemunha­s, o lapso temporal de cinco anos e a circunstân­cia de os factos terem ocorrido, grande parte no interior da casa de morada de família, e inclusive no quarto e na cama do casal, quando não existem testemunha­s presenciai­s, além da ofendida, em relação a todos factos concretos imputados ao arguido, não transmitin­do por isso uma visão uniforme dos acontecime­ntos”, apontam os juízes, concluindo: “O uso da forma de processo abreviado não era admissível e a sua utilização integra a nulidade insanável (...), que torna inválida a acusação e os atos posteriore­s, designadam­ente o julgamento e a sentença.”

Para os desembarga­dores, “não existem testemunha­s presenciai­s, além da ofendida, em relação a todos os concretos factos imputados”. Mas admitem que tal “raramente ocorrerá em crimes de violência doméstica”. Como o processo abreviado está “direcionad­o para casos de pequena criminalid­ade e de prova inequívoca ou evidente”, este caso não deveria seguir por essa forma por não existirem “provas simples e evidentes”. Socos e pontapés O caso reporta a um casal que vivia em união de facto desde 2011, com duas crianças. Ficou dado como provado no julgamento que, em 2012, o homem pressionou a mulher para ter relações sexuais quando esta estava grávida e a ameaçou. Na discussão, e depois de a mulher “lhe ter chamado corno, o arguido desferiu-lhe um soco na face, originando-lhe um hematoma visível”. Entre outros episódios de violência verbal e física, consta da sentença que “em 2015, no decurso do último trimestre de gravidez de C., na casa de ambos, na sequência de uma discussão e depois de C. o ter empurrado com força, o arguido desferiu-lhe um pontapé nas costas, atingindo-a na zona dos rins e provocando a sua queda para cima do filho, que se encontrava deitado na cama”.

A mulher saiu de casa em maio de 2017, mas o homem tentou por diversas vezes reatar a relação. Foi detido em junho de 2017 e ficou em liberdade com pulseira eletrónica, proibido de se aproximar da vítima. O que desrespeit­ou, tendo esperado a mulher que saía de um restaurant­e com um amigo para a abordar, enviado sms e feito telefonema­s. Com a sentença invalidada, tal como a acusação, o processo segue para o MP para formulação de nova acusação.

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Juízes do Tribunal da Relação do Porto ordenam que o processo seja reiniciado com nova acusação em processo comum

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