Eutanásia, 2019: para um debate sério e informado
Numa coligação improvável entre oportunas e inoportunas declarações e contrastantes pressões emocionais de última hora – com quebra chocante de neutralidade nalguma comunicação social –, 150 deputados recusaram na generalidade a legalização da eutanásia.
O assunto está, porém, muito longe de se poder considerar encerrado. Não apenas porque sendo as maiorias sempre conjunturais, a que agora votou contra a legalização assenta numa margem muito escassa. Sobretudo por após as eleições legislativas de 2019 ser plausível que aumente o número de deputados favoráveis à legalização da eutanásia no PS e no PSD.
Acresce que é legítimo crer que alguns dos que votaram contra, podendo até simpatizar com o sim, o tenham feito por razões metodológicas de elementar decência política; não quiseram suportar o ónus de uma dúvida legítima: saber se tinham autoridade ética para tal e se o debate fora suficiente, esclarecedor e participado.
Em qualquer caso, nos debates da campanha de 2019 ter-se-á de falar em doenças, sofrimento, morte, inscrevendo a posição concreta no respetivo programa eleitoral – tudo aquilo que alguns não queriam.
O cidadão não vai, uma vez mais, ser surpreendido: agora sabe com que conta nesta área, sendo mais difícil o triunfo do silêncio e do calculismo a que assistimos – sem surpresa – nas últimas semanas: todos deverão revelar então a sua posição.
Porque se entre os deputados foi necessária uma votação nominal para que, de forma facilmente identificável, o país conhecesse a sua posição – com extraordinárias piruetas nalguns casos –, que dizer de tantos “notáveis”, políticos no ativo ou não, tão céleres a opinar e que agora se quedaram pelo cómodo silêncio, muitos nem sequer reconhecendo respetivas e legítimas dúvidas ou hesitações?
Com certeza que esse é também um direito. Mas de muitos esperava-se que percebessem ser esta a hora de intervir, assumir responsabilidades, não ficar calado, mesmo que fosse só para exigir mais e melhor debate.
No final de 2019, após as legislativas, sem futurismo e por entre imponderáveis, tendo então já havido debate nacional anunciado, plural e aprofundado, será interessante ver que argumentos terá então o PR para vetar e/ou enviar para o Tribunal Constitucional (TC) tal diploma, se aprovado.
Não foi também ainda agora que os cidadãos conheceram a leitura, no caso concreto, do TC sobre o art.º 24.º da CRP: a vida humana é inviolável, sim, mas no cômputo alargado dos valores e direitos em confronto bastaria tal para encerrar desde logo a questão?
Quando, inevitavelmente, toda esta discussão regressar, espera-se que em Portugal a paisagem, moral e nos cuidados de saúde, seja já outra – e isto poderá influenciar uma nova votação.
Ninguém compreenderá que o próximo governo, qualquer que seja, não inclua como prioridade efetiva o acesso equitativo no Serviço Nacional de Saúde a cuidados paliativos e continuados, consignando, de facto, verbas para tal adequadas. Não é admissível que só 10% a 15% dos cidadãos tenham acesso aos cuidados paliativos de que necessitam – já sem falar da avaliação da respetiva qualidade.
É igualmente inevitável a paulatina existência de outra relação das instituições e profissionais de saúde com os cidadãos, doentes ou não, na recusa crescente e concreta da futilidade terapêutica, na informação e respeito pelos direitos dos doentes (à recusa terapêutica, ao testamento vital, a cuidados paliativos e escolha da morte natural não são eutanásia).
Todo este debate poderá, pois, ter contribuído para efetivamente vir a melhorar os cuidados de saúde e a informação de cidadãos e pôr em prática alguns direitos dos doentes.
Saber em que medida estas efetivas alterações nos cuidados de saúde, na divulgação, implementação e respeito pelos direitos dos doentes e, bem assim, uma reflexão mais alargada, informada, pública e nacional sobre esta temática se repercutirá na decisão da próxima AR é certamente, e por enquanto, mero exercício de adivinhação. Mas é possível que os eleitores penalizem aqueles que agora exorbitaram o seu mandato: esse é um comportamento que todos entenderão.
Em qualquer caso, nada é inelutável: legalização da eutanásia não é uma inevitabilidade, muito menos civilizacional, como se viu há poucas semanas na insuspeita Finlândia.
Mas o que quer que então venha a decidir-se resultará de um outro e mais alargado debate público de cidadãos (art.º 28.º da Convenção de Oviedo), num outro tempo e na prática concreta da tantas vezes esquecida democracia participativa (art.º 2.º da CRP), que não recusa, antes complementa e interpela sinergicamente a democracia representativa.