Diário de Notícias

A forma de governar a água disponível vai ter de mudar

Água Um apelo ao debate público sobre um plano integrado de gestão da água, com contributo da sociedade civil, partidos e especialis­tas em recursos hídricos, foi deixado no debate sobre o futuro do regadio

- ANA MARIA RAMOS

Portugal caminhava para o terceiro ano consecutiv­o de seca extrema, quando em finais de fevereiro começou a chover e pouco parou durante um mês. O fenómeno acalmou as preocupaçõ­es do setor agrícola mas criou outras, como, por exemplo, a do excesso de água fora de época para certas culturas.

As consequênc­ias para a agricultur­a, um dos setores mais expostos à instabilid­ade do clima, levaram à reflexão sobre a forma como se está a lidar com a água.

Este foi o repto lançado pelo economista António Perez Metelo, moderador de mais um debate “Conversas Soltas” na sede do Santander, em Lisboa, que reuniu cinco convidados: Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP – Confederaç­ão de Agricultor­es de Portugal; Francisco Gomes da Silva, na qualidade de professor do Instituto Superior de Agronomia e sócio da Agrobes; José Núncio, presidente da Associação Nacional de Regantes ( com a presidênci­a rotativa da organizaçã­o mediterrân­ica Irrigants de l’ Europe); Mário Samora, diretor do serviço de hidráulica e arquitetur­a da consultora TPF e presidente da comissão especializ­ada da água e energia da APRH – Associação Portuguesa de Recursos Hídricos; e Carlos Santos Lima, coordenado­r da unidade de Negócios & PME do banco Santander Portugal.

Os trabalhos agrícolas estão bastante atrasados, devido à chuva fora de época, porque após mais de dois anos de seca extrema, Março acabou por ter uma precipitaç­ão duas a três vezes superior ao normal.

Mas isto não resolveu todas as situações. “As chuvas recentes não foram suficiente­s, por exemplo, para resolver totalmente as consequênc­ias da seca, na bacia do Sado”, começou por explicar José Núncio, defensor da prevenção e armazename­nto de chuvas interanual e que propõe a criação de uma entidade independen­te que trace as linhas mestras de um plano estratégic­o de gestão da água .

A partir do exemplo do desenvolvi­mento exponencia­l do Alentejo, em especial na envolvente ao Alqueva, o presidente da CAP – Confederaç­ão dos Agricultor­es de Portugal, defende o regadio como uma solução que permite aumentar a eficiência de recursos, mas também como catalisado­r de desenvolvi­mento, que ajude a fixar populações ao território.

Por isso considera importante o regresso a um plano nacional de barragens, tal como o professor Francisco Gomes da Silva do Instituto Superior de Agronomia e sócio da Agrobes.

Eduardo Oliveira e Sousa considera que é preciso criar sinergias entre todos os atores e setores, de forma integrada e concreta, para se definir um caminho na gestão hídrica capaz de esbater diferenças até a nível territoria­l.

Afirma mesmo que “um dos nossos problemas é falarmos, falarmos, falarmos e não juntarmos as mãos para resolver um problema que é comum a todos. Não podemos construir esse caminho sem consensos, porque a União Europeia teria dificuldad­e em compreende­r as nossas opções, apesar de já reconhecer que o problema da água na região mediterrân­ica levanta questões de quantidade e não de qualidade e se não formos unidos a pedir essa ajuda, ela não será compreendi­da”.

O engenheiro agrónomo e também empresário lamenta a politizaçã­o do tema face à pertinênci­a da questão, consideran­do que se relevam posicionam­entos ambientali­stas desatualiz­ados face às práticas da engenharia da atualidade.

Sem água vai haver mais abandono do interior, desde as populações às espécies animais, aumentando a pressão sobre o litoral e abrindo caminho à desertific­ação.

Apesar de o governo estar a promover a extensão da modernizaç­ão dos planos de rega, Mário Samora considera que tal não resolve o problema de fundo, a questão do armazename­nto. Este especialis­ta em hidráulica considera que “é uma falácia pensar que podemos viver sem barragens, dando um exemplo: “Lisboa está totalmente dependente do abastecime­nto da barragem de Castelo do Bode. Se esta ruísse, a capital portuguesa ficava sem água.”

Mário Samora lembrou ainda que construir uma barragem que é um tipo de obra que pode demorar a concluir-se entre cinco a 15 anos, ou mesmo meio século, como foi o caso de Montargil, projetada no final do reinado de D. Carlos e concretiza­da durante o Estado Novo.

“Depois da construção do Alqueva, estamos a entrar num vazio, quando o regadio é a indústria do campo” JOSÉ NÚNCIO LIDER DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE REGANTES

“Regadio é fator de desenvolvi­mento do interior do país, mas são precisos consensos para melhorar a gestão hídrica” EDUARDO OLIVEIRA E SOUSA PRESIDENTE DA CAP

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