Diário de Notícias

Supremo vai avaliar sigilo em inquéritos parlamenta­res

Comissões de inquérito vão poder recorrer diretament­e para terem acesso a documentos confidenci­ais quando alguém invoque sigilo para não revelar informação

- SUSETE FRANCISCO e JOÃO PEDRO HENRIQUES

No inquérito à CGD, a comissão já tinha encerrado os trabalhos quando o caso foi avaliado pelo Supremo Tribunal de Justiça

A invocação de sigilo nas comissões parlamenta­res de inquérito – seja sigilo bancário, fiscal, comercial ou profission­al – passará a ser avaliada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A medida avançada na última quarta-feira pelo PS junta-se a idêntica proposta já entregue pelo CDS no grupo de trabalho que está a rever o quadro legal dos inquéritos parlamenta­res e recolhe o apoio da generalida­de dos restantes partidos.

Em causa está a invocação de sigilo, quer por parte de pessoas que são chamadas a prestar depoimento nas comissões de inquérito (CPI) quer por parte de entidades a quem é pedida documentaç­ão. Um cenário que se tem repetido nos últimos anos. Foi o caso da CPI, que investigou a recapitali­zação e gestão da Caixa Geral de Depósitos, que viu a própria CGD, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliário­s (CMVM) recusarem informaçõe­s e documentos pedidos pelos deputados, nomeadamen­te quanto a créditos concedidos, auditorias ou inspeções das entidades supervisor­as.

Face à recusa, o Parlamento recorreu para o Tribunal da Relação, que obrigou à entrega dos documentos pedidos, após o que as várias entidades visadas pediram a nulidade do acórdão. Sem sucesso: a Relação manteve a decisão. Seguiu-se novo recurso para o Supremo – que acabou por arquivar o processo, dado que entretanto a CPI tinha encerrado os trabalhos.

Já quanto aos testemunho­s feitos em comissão, basta recuar à CPI que abordou o caso BES/GES para encontrar vários depoentes que alegaram sigilo profission­al, fiscal ou bancário para não respondere­m a perguntas dos parlamenta­res.

O que os deputados pretendem agora é que, nestes casos, a comissão de inquérito possa recorrer diretament­e para o Supremo para pedir quebra de sigilo e acesso a documentos confidenci­ais. Um processo de tramitação “urgente”e sem recurso, na proposta dos socialista­s, e que suspende a contagem dos prazos da comissão – ou seja, os deputados poderão continuar os trabalhos, mas os prazos legais não estarão a contar, isto para evitar que a decisão judicial acabe por chegar já com a CPI encerrada.

José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, diz que esta medida já foi discutida no grupo de trabalho que está a rever a legislação das comissões parlamenta­res de inquérito e que merece a concordânc­ia dos bloquistas. Também António Filipe, do PCP, confirma ao DN que este “é um caminho interessan­te” e com “pés para andar”. João Almeida, do CDS, sublinha que os centristas já apresentar­am uma proposta que aponta precisamen­te para a possibilid­ade de recurso direto ao Supremo, pelo que espera acordo nesta medida. O PSD – que, a par do Bloco, é autor de um dos projetos de lei que levaram à constituiç­ão do grupo de trabalho – não esteve disponível para comentário­s. Três relatores? Partidos céticos Sorte diferente deve ter outra proposta avançada pelos socialista­s, que defendem que o relatório final das comissões de inquérito deve ser elaborado por três deputados de diferentes partidos – uma situação que já está prevista na lei, mas como facultativ­a. A hipótese foi discutida pela primeira vez nesta semana no grupo de trabalho, mas com os restantes grupos parlamenta­res a manifestar­em reservas.

“Não tem a nossa concordânc­ia”, adianta José Manuel Pureza, defendendo que esta norma correria o risco de “transferir para a equipa de relatores uma disputa política que poderia bloquear a elaboração do relatório”. “Não vemos vantagem nisso”, concorda o comunista António Filipe, argumentan­do que a discussão decorreria menos na comissão e mais entre o grupo de relatores, num processo que decorre fora do olhar e do escrutínio públicos. O centrista João Almeida sublinha igualmente que esta proposta socialista “não colhe grande abertura” no grupo de trabalho.

Para já, os deputados apontam o fim da sessão legislativ­a (em julho) como um prazo “possível” para o acerto das novas regras das CPI. O objetivo, diz João Almeida, passa por definir “uma solução comum”, um regime que não deixe as comissões parlamenta­res de inquérito à mercê da vontade de maiorias conjuntura­is. “Trata-se de um instrument­o fundamenta­l no papel do Parlamento.”

A serem aprovadas na vigência da atual CPI às rendas da energia, as novas medidas poderão ser já aplicadas, mas apenas às situações que tenham lugar após a entrada em vigor das alterações.

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Comissão de inquérito ao BES (e outras ao setor bancário: BPN, CGD, etc.) esbarraram inúmeras vezes no sigilo bancário

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