A busca da cura para lesões da medula já valeu 2 prémios a António
O Prémio Santa Casa Neurociências foi atribuído duas vezes à equipa de António Salgado. Em 2013 e 2017 receberam 200 mil euros, em cada ano, para estudar tratamentos que revertam as lesões na medula. Bons resultados da equipa da Universidade do Minho vale
António Salgado trabalha há dez anos para descobrir uma forma de curar lesões que provocam paraplegia ou tretaplegia. E embora não tenha ainda chegado à aplicação das suas descobertas em humanos, a verdade é que já deu pequenos grandes passos rumo ao resultado mais desejado. O investigador e a equipa já conseguiram reverter estas lesões em animais, o que lhes valeu a publicação dos avanços na última edição da revista Stem Cells.
Para chegar a estes resultados, foi útil o financiamento que a equipa que coordena, na Universidade do Minho (UM), conseguiu através dos Prémios Santa Casa Neurociências – o primeiro na edição de 2013 e o segundo em 2017. Foram duas bolsas, no total de 400 mil euros, que o biólogo sentiu como “um oásis” no incentivo à investigação na área das neurociências.
O investigador principal do Instituto para as Ciências da Vida da Escola de Medicina da UM escolheu dedicar-se ao desenvolvimento de novas terapias para a regeneração do sistema nervoso central, por ter percebido que havia ainda muitos passos a dar nesta área – uma vez que, até à data, têm sido poucos os avanços nos tratamentos de lesões medulares.
o trabalho de António Salgado e da sua equipa – que tem atualmente 20 pessoas – tem sido no sentido de restabelecer as ligações “da autoestrada que liga o cérebro ao resto do corpo”, que é a espinal medula, como gosta de explicar. “Quando essa autoestrada sofre uma lesão, a comunicação entre o cérebro e o resto do corpo é interrompida e isso leva às consequências que nós conhecemos, as mais visíveis são as consequências motoras”, explica.
Logo, o que se faz no laboratório do Minho é o desenvolvimento de “estratégias que possam ultrapassar as limitações”, acrescenta o investigador. Para lá chegar, os cientistas estão a combinar três áreas: terapias com medicamentos, biomateriais (como um gel que potencia o crescimento de células) e células estaminais. “Começámos pelo desenvolvimento de biomateriais e aos poucos fomos adicionando as outras peças do puzzle.” Chegar aos humanos Vencer a primeira edição do prémio da Santa Casa significou a possibilidade de avançar nos trabalhos “relativamente à combinação de fármacos e biomateriais com as células estaminais”. A segunda vitória do prémio vai permitir “adicionar um novo componente que é a estimulação elétrica da espinal medula”.
A abordagem da equipa de António Salgado é a de que diferentes lesões exigem diferentes terapias. Daí que estejam a estudar esta combinação de áreas e já tenham concluído que lesões mais simples podem não precisar de incluir todos os componentes do tratamento.
Neste momento, estão “na última fase de testes” em ratinhos de laboratório, que estão a ter “dados bastante positivos”. “Conseguimos reverter os problemas motores nos modelos animais que utilizamos. Os ratos também têm problemas motores semelhantes aos dos humanos. Com as estratégias que fomos desenvolvendo ao longo dos últimos dez anos, conseguimos reverter alguns desses problemas motores e outros problemas fisiológicos. E agora o que pretendemos fazer nos próximos três anos é, precisamente, pegar nas melhores estratégias que desenvolvemos e levá-las para um ambiente clínico, ainda não humano, um ambiente clínico-veterinário, que é precisamente um dos objetivos desta última edição do prémio.”
Só depois se pode pensar na aplicação em humanos. Uma fase que ainda estará pelo menos a cinco, seis anos de distância, tanto quanto vai demorar esta parte da investigação. “Só aí, se tudo correr bem, é que podemos pensar na fase humana”, alerta o biólogo.
Prazos que parecem distantes, mas a que António Salgado já está habituado. Dada a especificidade do sistema nervoso central, todos os avanços científicos são ainda mais demorados do que o já habitualmente longo tempo da investigação científica. A título de exemplo, o professor lembra uma investigação vinda da Suíça que está agora na fase de testes clínicos em humanos e que tem um trabalho de 30 anos em laboratório. “Temos de ter o cuidado de dar todos os passos para ter a certeza de que as terapias são seguras.”
Além de quererem devolver a mobilidade aos doentes paraplégicos e tetraplégicos, os investigadores já identificaram nos modelos animais outras melhorias da qualidade de vida, como o controlo, por exemplo, da função urinária ou respiratória, áreas normalTodo mente também afetadas pelas lesões medulares. O problema do financiamento Considerando estar no local ideal para fazer o que faz, António Salgado admite, no entanto, que Portugal ainda tem um problema para resolver: o financiamento. “Não temos, como nos EUA, três ou quatro concursos anuais. O último concurso que houve foi em 2017, antes foi em 2015. Tenho colegas que fizeram o concurso de 2017 e ainda não sabem a resposta, um ano depois. Isso naturalmente provoca instabilidade do ponto de vista de trabalho.”
Um contexto que não permite aos investigadores terem uma carreira longa. Mas que felizmente é contrariado por algumas iniciativas à margem do financiamento público. É aí que António Salgado classifica os Prémios Santa Casa Neurociências como um oásis. “Apareceu no pico da crise e é um prémio que é regular.”
Essas dificuldades de financiamento fazem também que grande parte do trabalho do investigador seja a angariar fundos. “Faz parte do crescimento”, resume. Hoje, como investigador principal, descreve a sua função como “pensar ciência”, “definir uma estratégia para a equipa a cinco, dez anos” e depois captar o financiamento. “Não usamos só fontes nacionais, estamos em consórcios europeus, temos financiamentos de instituições como a Santa Casa, a Fundação Gulbenkian, mas também financiamento do Estado.”
Até porque estamos a falar de uma equipa que já angariou um financiamento de 2,5 milhões de euros, apenas para os gastos concretos da investigação – sem contar com os salários dos investigadores. “Um anticorpo de que nós precisamos para caracterizar as células pode custar 1000 euros”, exemplifica.
Um caminho difícil, mas que vai valer a pena no momento em que António Salgado vir a sua investigação ter impacto na vida de um doente. Um sonho que o investigador tem desde os 14, 15 anos – “não sabia o que era investigação, mas já queria ser investigador, porque achava que devia ser uma coisa engraçada descobrir coisas novas.”
O estudo do sistema nervoso surgiu ao longo do percurso universitário, quando foi percebendo o que gostava. “Investigação aplicada, desenvolver alguma coisa. Lembro-me de que no terceiro ano do curso comprei uma Scientific American e falava lá de uma área nova, engenharia de tecidos humanos, combinar biomateriais [no nosso caso usamos géis, uma substância semelhante àquela que pomos no cabelo, para meter células lá dentro e depois induzir a restauração]. Isso estava a ser criado há 20 anos e eu achei ‘isto tem piada’.” Vinte anos depois, está a aplicar essa inovação a soluções que podem mudar radicalmente os tratamentos de lesões medulares em todo o mundo.