O que vai desagregar a zona euro é a falta de reformas, não a Itália
Élamentável que tantos europeus tratem a integração europeia como um ato de fé. O debate sobre o brexit coloca os europeístas verdadeiramente crentes contra os ateus céticos, e é por isso que estamos a falar sobre as duas propostas igualmente absurdas: um segundo referendo e um brexit duro.
Os italianos tratam a questão da sua adesão ao euro de forma semelhante. Ou se pertence a um campo ou a outro. Se se estiver como eu, algures no meio, as pessoas ficam confusas. Acredito ser razoável que um país em dificuldades, como a Itália, permaneça na zona euro enquanto houver a menor esperança de que a relação seja sustentável.
Foi o pró-europeísmo incondicional dos anteriores líderes italianos que deu origem ao atual retrocesso nacionalista. Os governos anteriores aceitaram legislação europeia que era profundamente contra os interesses italianos.
Havia a regra para contar as contribuições de Itália para o Mecanismo Europeu de Estabilidade, o guarda-chuva de resgate do bloco, como relevantes no cálculo do défice máximo permitido. Depois, a aceitação de uma lei de resolução bancária que deixaria desprotegidos milhares de aforradores italianos. E o pior de tudo, o acordo em 2012 para aceitar o pacto orçamental, que exige efetivamente que a Itália gira orçamentos equilibrados. Se os antigos primeiros-ministros tivessem sido mais implacáveis, a reação antieuropeia seria mais branda.
Considero igualmente tolo que o Movimento Cinco Estrelas e a Liga tenham levantado a questão de um confronto total com a UE da maneira como o fizeram. A ideia de pedir ao Banco Central Europeu que anulasse a dívida italiana comprada como parte do programa de flexibilização quantitativa era uma loucura. A ideia apareceu num primeiro rascunho do acordo de coligação e mais tarde foi abandonada. É um absurdo a vários níveis. Para começar, a maior parte da dívida italiana é detida pelo Banco de Itália, e não pelo BCE. Se eles querem enfrentar a zona euro, têm de ficar mais espertos.
O meu primeiro conselho é que abandonem o unilateralismo e adotem uma visão transacional, estabelecendo condições que permitam a Itália permanecer e prosperar na zona euro.
Como primeira prioridade, Giuseppe Conte, o primeiro-ministro italiano, deve ter uma posição forte no Conselho Europeu deste mês no debate sobre a governação da zona euro. Angela Merkel rejeitou praticamente todas as partes substantivas das reformas propostas por Emmanuel Macron. Conte deveria considerar apoiar o presidente francês para passar a Angela Merkel o ónus dos custos exorbitantes de um “não” alemão. Pedro Sánchez, o líder do partido socialista que foi empossado no sábado como primeiro-ministro de Espanha, pode ajudar a fortalecer essa aliança.
Giuseppe Conte deve fazer notar que uma zona euro sem reformas tem poucas hipóteses de sobrevivência. Até agora, o melhor argumento para a Itália permanecer no euro é esperar que a zona euro acabe por ser reformada. Se soubermos com certeza que isso não vai acontecer, o argumento muda. Não é a política italiana que mata o euro, mas a falta de reformas na zona euro e o enorme excedente em conta-corrente da Alemanha.
A melhor maneira de confrontar a política da zona euro é a partir de dentro. A Itália poderá usar o seu peso nas próximas nomeações dos cargos mais importantes da UE: os presidentes da Comissão Europeia, do Conselho Europeu e do BCE. Existem acordos e cedências a serem feitos. Não deve falar sobre uma saída unilateral até que tudo o mais tenha falhado.
Em segundo lugar, o impulso orçamental keynesiano esboçado pelo governo de coligação italiano é bem-intencionado, mas grande demais. Ele deve ser atenuado e acompanhado de uma política orçamental levemente expansionista, com algumas reformas estruturais direcionadas, ao setor bancário, ao sistema judicial e à administração pública.
Em terceiro lugar, não há nada de errado com um plano B genuíno, uma lista de medidas a implementar se uma crise tornar insustentável a continuação da pertença à zona euro. Eu ficaria admirado se o governo anterior não tivesse um plano desses guardado no fundo de uma gaveta. Mas o plano A deve ser combatido: criar uma situação que levaria inexoravelmente à saída da zona euro. Foram as suspeitas em relação à existência de um tal plano que persuadiram Sergio Mattarella, o presidente italiano, a vetar Paolo Savona para ministro das Finanças.
E, finalmente, nem sequer pensem em pedir ao eleitorado que vote sobre a adesão da Itália ao euro. Isso seria contraproducente para qualquer político que ousasse fazer as perguntas. A saída da zona euro é um acidente que deve ser preparado, não um resultado a desejar. Duvido que um governo italiano lhe sobrevivesse.
Quanto a nós, devemos parar de tratar este novo governo como um choque inesperado. O governo populista é a consequência lógica de 20 anos de má administração económica pelos partidos de centro-esquerda e de centro-direita italianos. Foi isso que deu origem a esta confusão.
Se se for realmente pró-euro, o meu conselho é deixar de tratar o euro como um artigo de fé e lutar pela sua sustentabilidade. Essa luta não pode ser ganha só em Itália, também requer grandes mudanças políticas em Bruxelas.
É preciso deixar de tratar o euro como um artigo de fé e lutar pela sua sustentabilidade