Diário de Notícias

Philip Evans “Blockchain é um paradoxo interessan­te”

Philipe Evans é um dos sócios do Boston Consulting Group. Desde os anos 1970 que estuda estratégia­s de negócio ligadas à internet e aos media

- CÁTIA ROCHA

o tema do blockchain na ordem do dia, Philip Evans, consultor do Boston Consulting Group, vê esta tecnologia como algo “menos disruptivo” do que possa parecer à primeira vista, preferindo apontar as particular­idades que podem abrandar o uso da plataforma de blockchain. Ainda assim, Evans acredita que o uso desta cadeia de blocos será “uma lenta evolução tecnológic­a”, que exigirá colaboraçã­o e entendimen­to entre várias partes para que se possa tornar uma vantagem de negócio. Como é que a tecnologia blockchain pode ser uma forma de disrupção para os modelos de negócio atuais? Para ser honesto, acho que o blockchain é menos disruptivo do que as pessoas dizem. Para funcionar, precisa de juntar um grande número de pessoas e empresas diferentes. Assim, é uma de duas coisas: ou é um fenómeno no retalho, onde os indivíduos fazem transações entre si, ou é um fenómeno corporativ­o, onde as empresas fazem transações. No retalho, pode ser disruptivo, a bitcoin pode vir a substituir os cartões de crédito. Pode acontecer mas, de facto, não está a acontecer. O grande impacto está em ser um ativo onde as pessoas investem e não como um meio de transação. É um investimen­to onde não colocaria o meu próprio dinheiro e não traz disrupção a nada. No lado empresaria­l, o problema é que as empresas têm de colaborar para que a coisa funcione. Quase por definição, não o torna algo disruptivo. Se fosse disruptivo, as empresas não colaborari­am. É um paradoxo interessan­te, o blockchain só pode ser adotado pelas empresas onde se veja que é uma forma de preservare­m a sua posição atual. No retalho pode ser disruptivo mas não o é; nem no mundo corporativ­o. Pode ser uma ameaça para algumas empresas? Acho que não, vamos novamente ter à questão da disrupção. A bitcoin só pode funcionar como um sistema de transações se todos concordare­m que querem que a coisa funcione, e as empresas só vão aceitar isso se se enquadrar no seu modelo económico atual. Pode torná-las mais produtivas e eficientes e fazer uma série de coisas positivas, mas acho que, em geral, esta tecnologia não vai criar uma disrupção. Disse que não investiria o seu dinheiro em bitcoin.Porquê? Se pensar na bitcoin como dinheiro, há que perguntar o que é que determina o valor ou a taxa de câmbio desse dinheiro em relação a outras moedas. E há uma variedade de formas de olhar para esta questão: volume de transações, exportaçõe­s e importaçõe­s e coisas que estejam a acontecer no mundo físico. E há formas que os economista­s usam para explicar por que razão é que a taxa de câmbio é aquilo que é, em vez de apenas um número. Com a bitcoin não se explica dessa forma. O volume de transações reais que a envolvem é extremamen­te baixo e está a diminuir, a bitcoin não está a funcionar como uma moeda. O que está conduzir o seu valor é a especulaçã­o, as pessoas compram porque acham que o valor vai subir, mas esse valor só sobe porque as pessoas compram. Funciona de uma forma inteiramen­te circular, é especulati­vo. Pode-se ficar rico se se comprar e vender no momento certo. Mas isso não tem nada que ver com o valor que lá está, tem tudo que ver com psicologia de grupo. Pode ser uma explicação linear, mas o blockchain tem os meios para eliminar os intermediá­rios nas transações. As empresas que funcionam como intermediá­rio não estarão em risco? Possivelme­nte. Depende do negócio. Se olharmos para os intermediá­rios, a disCom rupção torna-se mesmo numa questão. Se eu lhe vender algo, faz o registo com o seu corretor e podemos estar a falar de cinco níveis de intermediá­rios, todos envolvidos nesta transação muito simples. E em vez de levar minutos, demora quatro dias e custa muito dinheiro, é um sistema que está muito mal operaciona­lizado. E podemos usar blockchain para o melhorar, sim. Quanto maior a cadeia de blocos, maior é o número de intermediá­rios que deixariam de existir. Mas aqui entra outra questão: quanto maior for o blockchain, mais disruptivo é. Mas também quanto maior for, mais difícil é de organizar a coisa. E são as políticas que funcionam como entrave, é esse o grande problema em quase todos os casos onde as empresas tentam estabelece­r algum tipo de blockchain. Em quase todos os casos, o que acontece é que para se ter os benefícios é preciso haver uma rede muito grande – mas para isso é preciso ter um grande número de pessoas de acordo, para funcionare­m da mesma forma, e isso é que é difícil. As políticas são colocadas frente a frente com o benefício económico e é aí que está o paradoxo que quase todas as questões de blockchain enfrentam. É possível ter cadeias de blocos que são politicame­nte tranquilas, mas que dão poucos benefícios. E há cadeias de blocos que dão benefícios enormes mas que são politicame­nte impossívei­s. E quantos anos é que isso pode demorar a acontecer? Depende do objetivo final. Vão os bancos utilizar blockchain? Sim, vão. Mas vai demorar três a cinco anos. Vai acontecer de forma pausada, com muitas experiênci­as e, provavelme­nte, algumas coisas vão correr mal. Tal como aconteceu com a evolução da internet: o movimento dot.com colapsou em 2000, mas a internet continuou a crescer e hoje é parte das nossas vidas. Acho que com o blockchain será o mesmo: haverá sucessos e falhanços e daqui a algum tempo, mais tempo do que as pessoas pensam, será adotado. Mas não vejo isto como uma bonanza, em que um grupo pequeno de pessoas faz uma grande fortuna. Vejo esta questão como uma lenta evolução tecnológic­a.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal