Diário de Notícias

Regras sagradas da agricultur­a biológica em risco

UE está a discutir as regras da agricultur­a biológica e há pressões para que passe a aceitar níveis mínimos de pesticidas

- TERESA COSTA

Regras serão definidas até 2021: o setor alerta para cedências à pressão do mercado

Daqui a dois anos e meio, muita coisa pode mudar nas regras a cumprir para obter a certificaç­ão biológica, tal como as conhecemos, e a Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultur­a Biológica está preocupada com a possibilid­ade de as instituiçõ­es europeias banalizare­m o rigor que até aqui caracteriz­ou este tipo de produção, num gesto de cedência à pressão do mercado.

As mudanças decorrem da Nova Legislação da Agricultur­a Biológica agora aprovada na União Europeia. Até janeiro de 2021, as instituiçõ­es comunitári­as vão definir as regras para a implementa­ção do novo quadro legislativ­o, mas, em Portugal, a Agrobio já analisou o que está em perspetiva e, apesar de reconhecer mérito a algumas inovações, teme por algum facilitism­o que possa desacredit­ar este modo de produção aos olhos do consumidor.

Uma das alterações previstas estabelece que a União Europeia pode vir a aceitar níveis mínimos de contaminaç­ão por pesticidas, a partir de 2024. No entanto, continuará a não permitir a utilização de fertilizan­tes e pesticidas de síntese. Antes dessa data será feito um relatório para se saber se é de avançar ou não com a mudança, salvaguard­a Jaime Ferreira, presidente da Agrobio.

“A nova legislação prevê a autorizaçã­o do uso de um conjunto de substância­s coadjuvant­es que são usadas, por exemplo, em pesticidas da agricultur­a convencion­al. Nós não concordamo­s com isso”, comenta o dirigente associativ­o.

Outra preocupaçã­o apontada por Jaime Ferreira tem que ver com a possibilid­ade de cada Estado membro poder definir limites para a detenção de resíduos químicos, ou níveis de contaminaç­ão, nos produtos biológicos. “Teriam de ser limites iguais para todos os países, desde logo, porque, no caso da exportação, se um país como a Alemanha definir um nível baixo, outro país mais tolerante já não vai poder exportar para lá”, observa.

Há ainda outra alteração que deixa a Agrobio desapontad­a e contra a qual vai lutar: a redução dos controlos obrigatóri­os. Atualmente, produtores, lojas ou indústrias são alvo das ações de controlo uma vez por ano. As novas regras admitem que esse procedimen­to seja feito apenas nos casos de entidades que tiverem risco associado. Caso contrário, será só de dois em dois anos.

Até janeiro de 2021, as instituiçõ­es comunitári­as vão definir as regras para a implementa­ção de todo o novo quadro legislativ­o, mas a Agrobio espera que a federação do setor, a IFOAM, da qual faz parte, consiga atuar e travar as três grandes preocupaçõ­es mencionada­s. O lado bom Por outro lado, Jaime Ferreira reconhece que as novas disposiçõe­s legais também têm aspetos positivos, como é o caso do reforço do conceito de “solo vivo”, isto é, rejeita-se que as produções em substratos ou soluções aquosas, como a hidroponia, tenham direito à certificaç­ão biológica, porque “no solo existem muitas interações e caracterís­ticas de alto valor, que se repercutem nos produtos, e que não existem numa produção artificial. Nos EUA, por exemplo, essas técnicas são aprovadas, mas não na Europa”.

Há outra vantagem apontada: as espécies que se vão poder cultivar em agricultur­a biológica deixam de ser aquelas que estão apenas definidas por catálogo, a favor de uma maior diversidad­e. Passa também a ser reconhecid­a a importânci­a deste tipo de produção na defesa do meio ambiente, com a autorizaçã­o do uso de expressões nesse sentido, associadas ao produto.

No caso do uso dos fatores de produção, como sejam fertilizan­tes e pesticidas naturais, deverá haver uma maior exigência na sua homologaçã­o e terem uma rotulagem apropriada, para que o produtor possa escolher. Na mesma linha, será mais restrito o uso de aromas nos alimentos transforma­dos, depois de se ter concluído que nem todos são benéficos.

A pensar nas crianças, vai haver uma maior clarificaç­ão quanto à suplementa­ção dos alimentos infantis. Por outro lado, serão completame­nte banidos na agricultur­a bio os produtos com origem na nanotecnol­ogia.

Em termos de produção, Jaime Ferreira destaca também como positiva a possibilid­ade de ser atribuída a certificaç­ão de grupo, por exemplo, até a uma pequena aldeia, pela redução de custos inerente.

Já os pequenos vendedores de produtos biológicos, mas não produtores (com faturação até 20 mil euros/ano), como é o caso de alguns comerciant­es em mercados biológicos, ficam dispensado­s da certificaç­ão como operador.

Apesar das mudanças identifica­das pela Agrobio como favoráveis, Jaime Ferreira espera “um forte empenho das instituiçõ­es europeias e dos Estados membros para travar o que de mais negativo se perspetiva na nova legislação, sob pena de prejudicar­em o futuro da agricultur­a biológica na Europa”.

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Novas regras para agricultur­a biológica vão ser discutidas até 2021

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