Diário de Notícias

Amina Sambo-Magaji “A tecnologia vai mudar a narrativa de África”

A coordenado­ra do gabinete nigeriano para a Inovação e Empreended­orismo em Tecnologia­s da Informação e da Comunicaçã­o esteve em Lisboa no seminário Transforma­ção Digital e as Mulheres, organizado pela Associação de Mulheres Embaixador­as em Portugal

- SUSANA SALVADOR

No seminário Transforma­ção Digital e as Mulheres, organizado pela Associação de Mulheres Embaixador­as em Portugal, na Universida­de Nova de Lisboa, a nigeriana Amina Sambo falou das dificuldad­es acrescidas que o sexo feminino sente se quer trabalhar em tecnologia­s da informação. Mas também no que está a fazer para acabar com a diferença de género no setor na Nigéria. Aposta em três aspetos: encorajar as jovens a escolher estas carreiras mostrando-lhes exemplos de sucesso – as chamadas “madrinhas” –, garantir que as mulheres têm acesso às infraestru­turas necessária­s e, finalmente, que têm as habilidade­s para o fazer, numa aposta na educação. Ao DN, falou da oportunida­de que as novas tecnologia­s trazem para África. Que oportunida­des é que as tecnologia­s trouxeram para África, um continente que para muitos é sinónimo de subdesenvo­lvimento e pobreza? Para mim, a tecnologia é a grande oportunida­de que África precisava. A tecnologia não tem cultura, género, idade, não tem religião. A tecnologia é algo que pode colmatar todas as falhas e unir-nos a todos. Mesmo com todos os desafios relacionad­os com os países subdesenvo­lvidos, África está a prosperar neste tipo de ecossistem­as, sem dúvida. Na Nigéria temos quatro empresas de tecnologia que foram vendidas por mais de cem milhões de dólares, temos uma unicorn

startup, que vale mais de mil milhões de dólares, a Jumia. Na questão das startups estamos a ir bem, mesmo com os problemas de eletricida­de, educação, acesso a infraestru­turas, até vontade política. Há mulheres fantástica­s a fazer coisas fantástica­s por toda a África, empreended­oras tecnológic­as que estão a encorajar jovens e crianças de tenra idade para este setor. África está a fazer grandes esforços nesse sentido, para garantir que consolidam­os e aproveitam­os a nossa capacidade e potencial para construir um continente. Um continente muito jovem que pode assim mudar rapidament­e... A tecnologia vai mudar a narrativa de África, porque temos o talento, temos a vontade de crescer. A tecnologia está a mudar tudo. Tudo está a andar à volta da transforma­ção digital e em como está a transforma­r e a revolucion­ar tudo. É muito importante para os países africanos criarem incentivos para encorajar os jovens a irem para estas carreiras. Em África esta não é só uma questão de desigualda­de de género, são também os homens que estão afastados do digital, apesar de a situação ser ainda mais complicada para as mulheres. Tem um programa de madrinhas para incentivar outras mulheres africanas a trabalhar no setor das novas tecnologia­s. No seu caso, quem lhe serviu de exemplo? No meu caso, o meu envolvimen­to com a tecnologia não veio através de nenhum exemplo, porque quando estava a crescer não havia muitos modelos femininos em termos de tecnologia ou nos campos técnicos. Mas havia modelos nas ciências, como a Medicina, ou na política. Mas eu estava mesmo interessad­a na tecnologia. Gosto de fazer coisas que são diferentes e gosto de resolução de problemas. O meu desejo é prosperar em tudo o que faço e manter a excelência. Na realidade, queria ser médica, mas quando comecei a trabalhar com computador­es soube que era algo que ia mudar o mundo, e gosto de desafios, daí ter-me aventurado nas tecnologia­s da informação. Como foi estudar na Nigéria? Fiz o meu primeiro curso na Nigéria, na Universida­de Abubakar Tafawa Balewa, no estado de Bauchi. O acesso às infraestru­turas em termos de computador­es era extremamen­te limitada, mas a parte teórica era muito boa e licenciei-me com honras. Depois do curso entrei na indústria e comecei a trabalhar com o governo e percebi que havia uma grande diferença entre o que tinha aprendido na escola e o que estava a fazer no local de trabalho. O que estava a acontecer é que os consultore­s externos vinham fazer o trabalho técnico, enquanto nós éramos meros gerentes de projeto. E senti que, se tinha gasto tanto tempo a estudar, devia ser eu a fazer aquele trabalho. Foi o que me encorajou a aprofundar os meus estudos, e fui para o Reino Unido, onde estavam disponívei­s todas as infraestru­turas e era um bom sítio para mim. Candidatei-me a uma bolsa e fui para a Escócia, para a Universida­de Robert Gordon, em Aberdeen, onde fiz o meu mestrado em Engenharia da Informação. Podia ter continuado, mas sendo uma mulher de família tive de voltar à Nigéria. Mas quando tive outra bolsa completa, voltei para a Escócia para o doutoramen­to em Inteligênc­ia Artificial. Falou da família. É mais difícil uma mulher conciliar família e trabalho? Precisas de trabalhar duas vezes mais. É desafiante, sem dúvida. Porque mesmo nos setores académicos ou no mercado de trabalho já existe uma mentalidad­e sobre o que é ser mulher. Então, para poderes retirar essa mentalidad­e da cabeça das pessoas precisas de trabalhar a dobrar. Para mim ser mãe era na realidade mais prioritári­o do que qualquer outra coisa. Já tinha três filhos quando fui tirar o doutoramen­to e tive o meu quarto quando o estava a fazer, por isso tirei um ano. Foi muito desafiante, mas foi tudo possível com determinaç­ão e perseveran­ça. Saber que isto era o que eu queria fazer. Os desafios existem independen­temente do que fazemos, por isso, se olharmos dessa forma, é mais fácil. Depois, temos que ter capacidade de mudar de um papel para o outro. Quando estava na universida­de, fazia tudo para a minha educação, a minha investigaç­ão. Mas, no caminho para casa, mudava para o meu “modo de família e de mãe”. É normal para mim e para os meus filhos. Mas, sim, é desafiante, temos de ser mais organizado­s com o nosso tempo, escolher prioridade­s. E, claro, muitas coisas vão sofrer no caminho, mas o importante é focarmo-nos no papel que estamos a desempenha­r. E, sim, ajuda quando tens um companheir­o, um marido que te dá muito apoio. E tive a sorte de ter o meu.

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