Diário de Notícias

Portugal descobriu a fórmula mágica para garantir habitação social sem gastar um cêntimo de dinheiro público – aliás, poupando-o, e ainda cobrando impostos por inteiro. Merecemos o prémio Nobel da Economia

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do seu papel de regulador do setor da habitação. Com uma única exceção, a do mercado de arrendamen­to privado, que tratou com mão de ferro, imputando a privados a totalidade do ónus de oferecer a habitação social que o Estado não providenci­ou.

Este facto é sempre obliterado de todas as discussões e reflexões sobre o direito à habitação em Portugal e dos próprios dados. Nas estatístic­as nacionais e internacio­nais sobre habitação social – por exemplo numa publicação recente da OCDE – toda a habitação social portuguesa, que é calculada em 2% do total de habitação, é atribuída ao setor público; nem 1% é alocado a privados. No entanto, no trabalho de um grupo de investigaç­ão europeu sobre direito à habitação certifica-se que em Portugal 4% dos arrendamen­tos habitacion­ais são garantidos por habitação social, enquanto 11,5% estão no regime de renda condiciona­da vitalícia, ou seja, o setor privado garante quase o triplo da habitação social do setor público. Com a particular­idade de o fazer por imposição estatal e sem qualquer custo público – aliás, sem qualquer benefício fiscal sequer. Por incrível que pareça, nem sequer na recente discussão sobre benefícios fiscais para senhorios alguém se lembrou de propor que os que estão há décadas a receber valores muito abaixo dos de mercado – em muitos casos equivalent­es aos da habitação social pública – tenham algum tipo de compensaçã­o por esse facto. Nada: os proprietár­ios obrigados a receber rendas dependente­s do rendimento dos inquilinos pagam o mesmo de IRS e de IMI que todos os outros.

Portugal descobriu assim a fórmula mágica para garantir habitação social sem não só gastar um cêntimo de dinheiro público como até cobrando a totalidade dos impostos por ela. O que é verdadeira­mente estranho, e que foi aliás frisado por PSD e CDS quando há um ano se debateu no Parlamento a prorrogaçã­o dos prazos do congelamen­to das rendas pré-1990, é ver partidos de esquerda a aceitar esta privatizaç­ão imposta da segurança social. Uma segurança social que de resto se regula por regras totalmente diferentes das da habitação social pública, já que o conceito de carência económica para quem beneficia daquelas rendas condiciona­das vai até 2900 euros de rendimento bruto corrigido mensal. Com esse tipo de rendimento, escusado dizer, ninguém conseguirá candidatar-se a uma casa “da câmara”.

Acresce que, ao prorrogar o prazo do congelamen­to das rendas anteriores a 1990, a esquerda limitou-se a assegurar que o subsídio que estava previsto na lei para auxiliar esses inquilinos será pago pelos proprietár­ios por mais uma série de anos, poupando uns milhões ao Estado e furtando-os à economia. Um bocadinho ao contrário da política de “devolução dos rendimento­s” propalada pela maioria. E, sobretudo, sem que se perceba a que visão do direito à habitação e do papel do Estado no assegurar desse direito correspond­e a manutenção de dois mercados de arrendamen­to separados, em que um tem preços condiciona­dos para alguns, assegurand­o o prejuízo de proprietár­ios aos quais não é assegurado qualquer benefício, e o outro é livre, com anunciados incentivos para os senhorios. Parece tudo ao contrário, não é?

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