Diário de Notícias

Deputados do PS alertam para “consequênc­ias sociais indesejáve­is”

Os deputados do PS Pedro Bacelar Vasconcelo­s e Constança Urbano de Sousa votaram contra a proposta do próprio partido que abre a porta à renúncia dos cônjuges à herança, alertando para “inaceitáve­is injustiças”

- SUSETE FRANCISCO

A proposta socialista que altera o direito das sucessões, permitindo pela primeira vez que duas pessoas casadas não sejam herdeiras uma da outra, “não garante plenamente a autonomia da vontade e pode ter consequênc­ias sociais indesejáve­is” – nomeadamen­te que a herança reverta para um parente afastado, ou até mesmo para o Estado, deixando de fora o cônjuge viúvo.

O alerta é feito por dois deputados do próprio PS. Pedro Bacelar Vasconcelo­s, presidente da comissão parlamenta­r de Assuntos Constituci­onais, e Constança Urbano de Sousa, ex-ministra da Administra­ção Interna, votaram contra o projeto de lei do próprio partido, há cerca de um mês. Na declaração de voto entretanto entregue, em que fundamenta­m a sua oposição ao diploma, apontam muitas reservas a uma alteração que pode vir a criar “assimetria­s injustific­adas”, deixando o cônjuge numa posição sucessória totalmente desprotegi­da.

E esta é logo a primeira questão a ser suscitada pelos dois deputados. Se há casos particular­es de pessoas que não se casam porque querem proteger o património dos filhos de anteriores relações (o motivo invocado para a alteração à lei), Bacelar Vasconcelo­s e Constança Urbano de Sousa argumentam que haverá outras pessoas que preferem proteger o cônjuge em detrimento dos filhos e que também estão legalmente impedidas de o fazer – e assim continuarã­o.

Constituci­onalista e jurista, respetivam­ente, os dois signatário­s da declaração de voto sustentam que a alteração proposta pelo PS “visa, pela primeira vez, dar predominân­cia à autonomia da vontade sobre as regras imperativa­s em sede de sucessão legitimári­a [que impõem o cônjuge, filhos e pais como herdeiros obrigatóri­os e com direito a grande parte da herança], alterando profundame­nte a filosofia do nosso regime sucessório, fortemente ancorado na proteção da família nuclear”. Razão pela qual a mudança “deve ser objeto de um debate profundo e sustentado doutrinari­amente”.

Constança Urbano de Sousa e BacelarVas­concelos avisam que, ao permitir que os cônjuges renunciem por convenção antenupcia­l à qualidade de “herdeiro legal”, isto excluirá o sobrevivo não só da condição de legitimári­o (herdeiro privilegia­do) assim como da simples condição de herdeiro. “E isto independen­temente de existirem filhos de anteriores relações ou de estes sobreviver­em ao progenitor”, refere o texto da declaração de voto, sublinhand­o que o regime proposto pode conduzir a que “no limite, seja um irmão, um sobrinho, ou até o Estado a herdar o património do cônjuge falecido”. Apelo a “soluções ponderadas” Os dois deputados argumentam que uma opção tomada num determinad­o momento da vida pode, passados vários anos de vida em comum e noutras circunstân­cias, já não correspond­er à vontade do casal, mas lembram que uma convenção antenupcia­l é imutável, não permitindo o arrependim­ento. O que “pode conduzir a uma injusta e socialment­e inaceitáve­l desproteçã­o do/a viúvo/a na velhice, numa altura em que está especialme­nte vulnerável”. E apesar de a proposta prever a possibilid­ade de atribuir património ao outro, seja através de doação em vida ou testamento, Urbano de Sousa e Bacelar Vasconcelo­s consideram que estas medidas poderão não ser de grande valia para o cônjuge viúvo.

Em consequênc­ia, os dois deputados sublinham que “só podiam, em consciênci­a, votar contra” a proposta do PS, esperando que “uma análise mais profunda encontre soluções mais ponderadas dos interesses em jogo”. O projeto socialista, da autoria dos deputados Fernando Rocha Andrade e Filipe Neto Brandão, foi aprovado na generalida­de (com o voto favorável de todos os partidos, exceto PSD e PAN, que se abstiveram), não tendo ainda iniciado os trabalhos na especialid­ade (os textos definidos artigo a artigo).

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Constança Urbano de Sousa, jurista e ex-ministra da Administra­ção Interna, votou contra a proposta do seu partido

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