Diário de Notícias

Peão condenado por homicídio ao atravessar a rua e provocar acidente

Motociclis­ta de 66 anos morreu ao desviar-se de trabalhado­r que atravessou a via apesar de ter visto a vítima a aproximar-se. Tribunal diz que agiu de forma negligente e imprudente

- DAVID MANDIM

O trabalhado­r tinha acabado de recolher placas de sinalizaçã­o de trânsito, no âmbito de trabalhos que a empresa realizava naquela rua, quando decidiu atravessar a rua onde não havia passadeira. Terá visto um motociclis­ta a aproximar-se, mas acreditou que iria travar. Tal não aconteceu e o condutor, ao tentar desviar-se, foi embater no muro do outro lado da via. Em consequênc­ia do choque acabou por morrer. O peão foi condenado a um ano de prisão, com pena suspensa, pelo crime de homicídio por negligênci­a, sentença agora confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

“Comete o crime de homicídio negligente o arguido/peão que, não obstante ver a cerca de cinco metros de si o ciclomotor, invade a faixa de rodagem por onde este circulava, não conseguind­o o seu condutor, apesar de desviar-se para a esquerda, deixar de embater no peão, originando a queda do condutor, em consequênc­ia de cujas lesões veio a falecer.” Este é o sumário do acórdão da Relação do Porto, datado de 9 de maio.

Os juízes desembarga­dores validaram a decisão de primeira instância, no juízo local de Gondomar, na análise da culpa do acidente ocorrido em março de 2013. “Está assente que o arguido iniciou a travessia da via por onde seguia sem previament­e se certificar de que o podia fazer em segurança, nomeadamen­te sem pôr em perigo os demais utentes da via, invadindo a faixa de rodagem por onde seguia o ciclomotor, obstruindo dessa forma a circulação deste. Agiu sem a atenção e o cuidado exigíveis a um peão medianamen­te diligente e prudente, desatento e alheado aos demais utentes da via e caracterís­ticas da estrada, admitindo que dessa forma podia causar um acidente, embora não se tenha conformado com tal possibilid­ade.”

A companhia de seguros argumentav­a que o motociclis­ta de 66 anos seguia a uma velocidade superior ao permitido naquele local, mas também aqui o tribunal teve um entendimen­to diferente, consideran­do que a velocidade não foi a causa do acidente. Velocidade não muda nada “É certo que também se provou que, antes do local do embate, no sentido em que circulava H [o motociclis­ta], existia à data um sinal de proibição de circular a velocidade superior a 40 km/hora, sendo que nesse momento conduzia o ciclomotor (...) a uma velocidade entre 55 e 60 km/hora”, reconhecem os juízes, pelo que o condutor do ciclomotor violou o disposto no Código da Estrada. Contudo, o tribunal entende que “o excesso de velocidade praticado pelo condutor do ciclomotor não foi causal do acidente”.

Isto porque considera que a distância que ficou provada – cinco metros – impedia qualquer reação. “Na verdade, é tão evidente a proximidad­e a que estava o ciclomotor quando o arguido iniciou a travessia, que se torna perfeitame­nte irrelevant­e a velocidade a que aquele circulava na produção do acidente. Pois que, ainda que circulasse à velocidade legal de 40 km/hora, no referido contexto, nas referidas circunstân­cias em que a travessia ocorreu, nunca o falecido, condutor do ciclomotor, teria conseguido deter o veículo e/ou evitar o acidente.”

De resto, dizem os desembarga­dores, “não nos merece censura o comportame­nto do falecido, con- dutor do ciclomotor, que ainda tentou desviar-se do arguido e evitar o embate, sem êxito”. Já o arguido “tem a culpa exclusiva do acidente” na medida em que “uma qualquer pessoa diligente, naquelas circunstân­cias de tempo, modo e lugar, nunca faria uma travessia naqueles moldes e, portanto, nunca teria desencadea­do o acidente dos autos”. Indemnizaç­ões aumentadas A mulher e os dois filhos da vítima também recorreram da sentença de primeira instância, em que a seguradora foi condenada a pagar indemnizaç­ões 62 875 euros aos três familiares, mais 2850 à mulher da vítima, e ainda 30 mil euros a cada um dos familiares. A Relação manteve este último valor como adequado mas aumentou o valor da indemnizaç­ão conjunta, relativa ao dano da própria morte, para 65 mil euros mais 15 mil euros pelos danos sofridos pela vítima antes de falecer. Os 30 mil euros para cada um dos familiares foram considerad­os justos.

Esta decisão de condenar um peão por um acidente não é muito comum. Mas há mais casos. Em 2014, uma mulher em Vale de Cambra foi condenada a uma multa de 1500 euros por homicídio por negligênci­a, por ter deixado a neta de 3 anos sozinha na rua, falhando no dever de vigilância. A criança foi atropelada e morreu, com o condutor do carro a ser também condenado a uma multa de 1250 euros, pelo mesmo crime, por conduzir de forma “descuidada e desatenta”.

Para os juízes, uma pessoa diligente nunca faria uma travessia naqueles moldes e que acabou por ser a única causa do acidente

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