Diário de Notícias

Uber Eats: Sem contrato e dependente do like do cliente

Grande parte dos distribuid­ores de comida ao domicílio trabalham por conta própria sem apoio das empresas. Rendimento depende das entregas e da opinião dos clientes

- CARLOS FERRO

Faladores, mas sob anonimato. São jovens, maioria estrangeir­os e passam o dia ou uma parte dele com o telemóvel na mão à espera de serem chamados. Trabalham para a UberEats e quase todos têm as mesmas queixas: não têm contrato de trabalho nem apoio em caso de acidente. E gostavam que o quilómetro de viagem fosse mais bem pago, tal como as entregas – recebem por cada no mínimo 1,5 euros.

Este é o retrato da maioria dos estafetas que andam pela cidade de Lisboa a entregar as encomendas de refeições feitas maioritari­amente com base na aplicação da norte-americana, mas no mercado também existe a espanhola Glovo. Duas empresas que registam as principais denúncias do Sindicato dos Trabalhado­res da Indústria Hoteleira do Norte. No domingo, o presidente desta estrutura, Francisco Figueiredo, divulgou que aos estafetas que trabalham com estas multinacio­nais, após o pagamento dos impostos, “resta uma miséria que não dá sequer para tomarem as suas refeições diárias”, tal como o DN noticiou ontem. No entanto, há quem não esteja descontent­e. Talvez porque trabalham para empresas que depois os colocam a distribuir encomendas para a Uber Eats – e por isso têm um contrato que inclui os descontos para a Segurança Social e outras regalias – ou por “saber trabalhar bem as horas”, como disse um motociclis­ta ao DN.

A liberdade de horário

Em grupo ou isolados à espera de ser chamados, os distribuid­ores com ligação à Uber Eats queixam-se de não ter um contrato de trabalho, não ter um seguro que os proteja em caso de acidente, e para receberem “dignamente” têm de trabalhar muitas horas. “Quando estou a trabalhar nem quero pensar no que ganho. Faço das 12.30 às 16.00 e depois à noite das 19.30 às 00.00. À sexta-feira, sábado e domingo faço mais horas. É quando há mais serviço.” Sentado num banco junto a um restaurant­e da cadeia norte-americana McDonalds, este natural do Bangladesh não aceita que se publique o nome, mas não esconde a sua história. “Trabalhei até há dois meses num restaurant­e de sushi, depois vim para a Uber Eats. Ganho o suficiente para viver, mas tenho de pagar tudo: gasolina para a moto, seguro, impostos”, diz.

Este é o discurso que mais se ouve quando se fala com os estafetas. Um outro, que estava num grupo que aguardava a chamada, lembrou que os pagamentos ainda têm diferenças entre os restaurant­es: “Numa ida ao McDonalds recebemos menos do que se formos ao Prego Gourmet. E depois não temos nada [a Uber Eats tem desde janeiro um seguro sem custo para motoristas como explicou no domingo fonte oficial da empresa]. Um colega sofreu um acidente e não teve direito a nada. Estamos a tentar reunir-nos para ver se cada um dá dez euros para ajudar a pagar os medicament­os.” Quanto ao rendimento mensal, há um consenso que pode ser superior a mil euros/mês, verba de onde retiram os impostos e a Segurança Social que têm de pagar, pois são considerad­os trabalhado­res por conta própria.

Empresas contratam para Uber

Há, todavia, quem não se queixe. “No Brasil já trabalhei com a Uber e é igual. Você pode ganhar mais de três ordenados mínimos se souber ‘trabalhar’ as horas e não vier só por algum tempo”, explicou ao DN um outro distribuid­or que não se alongou pois estava “com muita pressa”.

Satisfeito está também Rui. Estudante de Gestão, no Porto, foi o único que aceitou ser identifica­do e garantiu que não tem razão de queixa.” Isto é um hobby , só trabalho de noite pois estou a estudar para os exames. A Uber dá-nos incentivos e consigo ganhar um dinheiro extra. Como trabalho para uma empresa recebo a moto e pagam a gasolina e depois recebo metade do que faço. Eu estou contente”, sublinhou.

Dependente do like

Os rendimento­s destes trabalhado­res estão dependente­s de várias avaliações: se aceitam muitos serviços, se entregam as encomendas a horas e se recebem muitos likes por parte dos clientes. Segundo contaram ao DN, uma taxa de aprovação abaixo dos 85% faz que a distribuiç­ão de entregas lhes seja reduzida.

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Em Portugal, a Uber Eats está presente em Lisboa (desde o ano passado) e no Porto (desde o início de maio)

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