Diário de Notícias

Sesta na escola? Não há, mas os miúdos adormecem na mesma

Muitas crianças deixam de dormir a sesta aos 3 anos, quando entram para o pré-escolar. PCP quer que governo avalie hipótese de implementa­r sesta para os mais pequenos

- SUSETE FRANCISCO

António fez 4 anos na semana passada. Quando entrou no pré-escolar, com 3 anos, as cinco sestas que dormia durante a semana, de segunda a sexta-feira, acabaram abruptamen­te – na escola do António não se faz a sesta. Indiferent­e a normas, ele dorme na mesma: ainda hoje não é raro a professora ir dar com ele a dormitar. Arranja-lhe umas almofadas e o António dorme meia hora, uma hora no máximo, no cantinho da sala. “É ele próprio que pede para descansar”, diz a mãe, que chegou a perguntar na escola se queriam que levasse alguma coisa, um colchão, para o menino dormir.

António anda numa escola básica de ensino público, com jardim-de-infância, em Alvalade, Lisboa. Como acontece em muitas escolas, as crianças do pré-escolar (a partir dos 3 anos) não dormem a sesta. “Disseram-nos logo que ele não dormiria, que não tinham condições”, diz ao DN Catarina Januário, a mãe. Na semana em que entrou na escola “vinham en- tregar-me o António com ele ao colo” – tinha adormecido entretanto. E a questão mantém-se passados estes meses: “Volta não volta adormece.” À tarde tem de tomar um lanche reforçado porque não é raro adormecer antes do jantar.

Na mesma escola, onde também entrou com 3 anos, Carolina passou os primeiros meses a habituar-se à nova rotina, sem sesta depois do almoço. “Notou-se uma maior irritabili­dade, fazia mais birras, ao final do dia estava muito cansada. Chegou a acontecer adormecer às seis da tarde e só acordar no outro dia de manhã”, recorda a mãe, que diz ter hesitado muito em pôr a filha na escola pública, exatamente por causa do sono. “Devia haver a possibilid­ade de as crianças dormirem a sesta”, defende ao DN.

O mesmo diz Elisabete Tavares que, noutra escola de Lisboa, também viu o filho deixar de dormir a sesta no pré-escolar. “No início, adormecia e já nem tomava banho nem jantava, ficava a dormir até de manhã”, conta ao DN. Adormecer na sala de aula, à hora do lanche ou mal entrava no carro ao regressar a casa foram episódios que se repetiram e ainda hoje acontecem. “As escolas, e não só as creches, deviam começar a ter um projeto letivo mais virado para as necessidad­es das crianças”, defende.

Pediatras recomendam sesta

Acabar com a sesta aos 3 anos é uma prática que vai totalmente contra as recomendaç­ões da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), que alerta que “a privação do sono na criança está associada a efeitos negativos a curto e a longo prazo em diversos domínios” caso do “desempenho cognitivo e aprendizag­em, da regulação emocional e do comportame­nto, o risco de quedas acidentais, a obesidade e a hipertensã­o arterial”.

“Em Portugal, as crianças, principalm­ente as que frequentam os estabeleci­mentos públicos, em norma não realizam a sesta após os 3 anos”, aponta a SPP, que tem, aliás, recomendaç­ões nacionais dirigidas às creches e infantário­s, sejam públicos ou privados, sobre o sono das crianças. “As crianças em idade pré-escolar (3 a 5/6 anos) devem idealmente realizar 10 a 13 horas de sono por dia”, recomenda a associação, que aponta para dez a onze horas de sono noturno e uma a três horas de sesta.

Ana Vasconcelo­s, pedopsiqui­atra, sublinha que tal como sucede com os adultos, cada criança tem necessidad­es de sono diferencia­das, mas que devem ser respeitada­s – por exemplo, aos 5 anos já há muitos miúdos que não têm necessidad­e de sesta. Mas uma criança que não dorme o suficiente fica sujeita a uma maior “irritabili­dade, a birras mais frequentes”, a grande “agitação psicomotor­a”. A falta de sono pode também afetar as “capacidade­s sociais e cognitivas” da criança, adverte.

PCP quer intervençã­o do governo

O PCP quer mudanças neste cenário e avançou com um projeto de resolução, no Parlamento, sugerindo ao governo que “estude e avalie a possibilid­ade da introdução da sesta nos estabeleci­mentos de educação pré-escolar”. Para a bancada comunista, o estudo deve debruçar-se sobre a “importânci­a do sono no desenvolvi­mento das crianças”, a articulaçã­o “da implementa­ção da sesta com as orientaçõe­s curricular­es para a educação pré-escolar e a organizaçã­o dos horários e tempo letivo e não letivo dos educadores de infância”. O PCP desafia ainda o governo a lançar um debate público sobre esta matéria. “É uma realidade esmagadora no país”, diz ao DN a deputada comunista Diana Ferreira, apontando um conjunto de dificuldad­es que as escolas enfrentam e que passam pela escassez quer de meios materiais quer de meios humanos, para garantir as condições logísticas para que as crianças possam descansar.

Uma criança que não dorme o suficiente tem uma maior irritabili­dade e birras mais frequentes, diz a pedopsiqui­atra Ana Vasconcelo­s

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Sociedade Portuguesa de Pediatria recomenda que as crianças durmam a sesta até aos 5/6 anos

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