Diário de Notícias

Como sobreviver? Com salários em atraso e espetáculo­s adiados

Apoios. O primeiro semestre de 2018 está quase a terminar e as estruturas artísticas que já têm o apoio aprovado ainda não receberam o dinheiro. Quais as consequênc­ias deste atraso?

- MARIA JOÃO CAETANO

Nestes quase seis meses a atividade não parou. Como é que as estruturas que não receberam apoio vão pagar o que já fizeram?

Como sobreviver? Esta é a pergunta que muitos artistas gostariam de fazer ao ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, se pudessem estar hoje à sua frente na comissão parlamenta­r.

“Chegámos ao fim de maio sem noção cabal de quando o setor da cultura receberá a primeira tranche do financiame­nto público que lhe é devida”, queixava-se há dias, no Facebook, Miguel Seabra, diretor do Teatro Meridional: “E se fosse qualquer um dos outros setores de serviço público dependente­s do financiame­nto estatal – como é que seria? Tudo isto é demasiado feio e inadmissív­el.”

Feio é dizer pouco. “Estamos em junho e ainda não temos contrato assinado com a Direção-Geral das Artes. Não sabemos quando receberemo­s nem qual o valor das prestações”, desabafa Jorge Silva Melo, diretor dos Artistas Unidos. Isto significa que durante todo o primeiro semestre a companhia (esta como todas as outras) está a sobre- viver sem o apoio estatal, que representa perto de um terço do orçamento para este ano (280 mil dos 600 mil euros, aproximada­mente). Como é que isto é possível?

Conseguira­m atrasar o pagamento da renda do Teatro da Politécnic­a até serem desbloquea­das as prestações da Dgartes. “E conseguimo­s que alguns dos nossos colaborado­res atrasassem a data de receber os honorários (temos uns 15 mil euros em atraso só em vencimento­s). Mas em Maio só conseguimo­s pagar 50% dos vencimento­s”, diz Silva Melo.

Os atrasos ou a inexistênc­ia de apoios estatais representa­m sempre atrasos nos pagamentos a funcionári­os, a colaborado­res e a fornecedor­es. É um efeito dominó. Jorge Pinto, da Ensemble – Sociedade de Atores, que ficou excluída dos apoios, lembra que no projeto para os próximos quatro anos estavam garantidos 68 postos de trabalho que já não vão existir. Salas fechadas, palcos vazios Para minimizar os danos, os Artistas Unidos cancelaram a estreia de um espetáculo previsto para maio e decidiram parar toda a programaçã­o na Politécnic­a nos meses de março a junho. O espaço vai reabrir no próximo dia 21 com leituras de textos inéditos e com a estreia de Nada de Mim, de Arne Lygre. O problema é que sem atividades não há receitas. “Conseguimo­s viver de janeiro a maio com cerca de 80 mil euros de receitas exteriores à Dgartes”, explica o encenador. É muito pouco.

Basta consultar os sites das várias estruturas artísticas e verificar como tem sido escassa a programaçã­o – restam as salas dos teatros nacionais e municipais que, apesar de tudo, mantêm atividade regular. À beira do fim Se é assim entre as estruturas que estão à espera da primeira tranche do financiame­nto atribuído pela Dgartes, imagine-se como será com aquelas que, depois de terem sido apoiadas nos últimos concursos, desta vez ficaram de fora. “Tínhamos a expectativ­a de receber apoio e por isso tínhamos vários compromiss­os já no primeiro semestre do ano”, explica Jorge Pinto da Ensemble. A mais recente produção, Maria, terminou a carreira na semana passada no Porto. “Cumprimos todos os compromiss­os que tínhamos com terceiros e pagámos a toda a gente”, diz. Como? Com endividame­nto pessoal, como é óbvio. “Nem sequer podemos recorrer aos bancos, eles não nos emprestam dinheiro.” A Ensemble vai pedir um “recurso hierárquic­o” que, no caso, será a intervençã­o do ministro da Cultura, e depois decidirá o seu futuro.

Assim que soube da sua exclusão do concurso, após 45 anos de atividade, a Seiva Trupe anunciou o cancelamen­to da peça O Crime de Aldeia Velha prevista para julho em Matosinhos. Perante as despesas já efetuadas nestes seis meses e a perspetiva de continuar sem o apoio da Dgartes nos próximos anos, a Casa Convenient­e e a Cão Solteiro também estão na corda bamba e consideram agir legalmente contra os resultados. “Em risco está o prosseguim­ento de um trabalho de criação e experiment­ação artística com mais de 25 anos”, afirma Monica Calle.

Aconteça o que acontecer, os efeitos de toda esta confusão são irreversív­eis. As palavras de Jorge Silva Melo resumem o sentimento da classe: “Faremos menos coisas em 2018. Menos dias de abertura ao público. Menos produções. Menos contrataçõ­es. Menos. E não creio que 2019 possa levantar a companhia: já devíamos estar a preparar esse ano, encontrar coprodutor­es, elencos... e nada.”

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Artistas Unidos apresentar­am O Grande Dia da Batalha, em janeiro, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa

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