Diário de Notícias

Pensões dos políticos baseadas no seu desempenho

- DAMBISA MOYO ECONOMISTA E AUTORA

Quando o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Paul Ryan, se aposentar no final do seu mandato, em janeiro, terá provavelme­nte direito a uma pensão anual do governo de mais de 80 mil dólares. O caso de Ryan, e o de dezenas de outros membros do Congresso que se aposentarã­o este ano, ilustra o abismo entre os benefícios financeiro­s disponívei­s para os políticos e os disponívei­s para a grande maioria dos cidadãos que eles deveriam servir, independen­temente da qualidade do seu desempenho no cargo.

Confiantes de que as suas próprias pensões generosas serão pagas, independen­temente do que acontecer, políticos como Ryan muitas vezes defendem medidas que enfraquece­m a posição orçamental do governo. O Departamen­to do Orçamento do Congresso advertiu que o défice do governo dos EUA está em vias de triplicar nos próximos 30 anos, passando de 2,9% do PIB em 2017 para 9,8% em 2047.

Entre outras consequênc­ias, essa subida orçamental prejudicar­á a capacidade do governo de investir em educação e infraestru­turas para as gerações futuras. Enquanto isso, apenas 15% dos funcionári­os do setor privado – pessoas que supostamen­te dependem da educação e das infraestru­turas financiada­s pelo governo – recebem o tipo de plano de reforma de benefício fixo que protegerá a aposentaçã­o de Ryan, segundo a Pension Rights Center.

Para restabelec­er a equidade, o governo deve seguir o modelo do setor privado e vincular as pensões de reforma dos políticos ao seu desempenho. Assim como os gestores de alto nível de empresas privadas, os decisores políticos que tomam decisões erradas devem ver as suas pensões reduzidas.

Uma pensão é um compromiss­o a longo prazo do Estado e, em última instância, do contribuin­te, para com um político. Se os políticos receberem pensões a partir dos 50 anos, como Ryan, os benefícios da aposentaçã­o poderão ser pagos, realistica­mente, durante mais de 40 anos. Parece justo, portanto, vincular essa recompensa a longo prazo aos efeitos também a longo prazo das políticas que apoiaram enquanto estavam no poder.

Os efeitos devem ser medidos segundo vários indicadore­s, incluindo a qualidade da educação, resultados de saúde e indicadore­s económicos como o cresciment­o do PIB, inflação, desemprego e desigualda­de de rendimento­s. Essas avaliações quantitati­vas abrangente­s não só dariam aos políticos maior incentivo para fazer escolhas inteligent­es – e não apenas políticas –, como também ajudariam os eleitores a tomar decisões mais informadas sobre quem deveria representá-los.

Uma versão deste sistema já está em vigor em Singapura, onde os ministros recebem bónus se o governo atingir metas de cresciment­o do PIB, aumento dos rendimento­s (incluindo uma avaliação da progressão dos ganhos para os 20% mais abaixo) e desemprego. De acordo com um estudo da Mercer de 2013, os ministros em Singapura podem esperar receber uma remuneraçã­o variável de mais 50%/60% da sua remuneraçã­o-base.

O objetivo não é obviamente reduzir o salário dos líderes políticos, mas sim garantir que eles merecem o que ganham. Com um salário anual de 1,63 milhões de dólares, o primeiro-ministro de Singapura é o líder mais bem pago do mundo, recebendo tanto quanto os líderes da Alemanha (299 784 dólares), Itália (131 608 dólares), Japão (202 700 dólares) e Reino Unido (215 980 dólares) juntos.

No entanto, os cidadãos de Singapura raramente se queixam desse salário, porque percebem que o seu país é bem administra­do e tem boas perspetiva­s para o futuro. Por outro lado, nos EUA – onde um presidente normalment­e ganha 400 mil dólares, e o presidente Donald Trump doa o seu salário para várias causas – a confiança do público no governo está próxima de mínimos históricos.

Então, os cidadãos parecem dispostos a aceitar altos salários para os seus líderes. Mas esses líderes devem merecer esse salário, assim como qualquer trabalhado­r do setor privado o tem de merecer. Isso significa projetar e defender políticas que tragam benefícios reais e duradouros para o país.

Ajustar a compensaçã­o dos políticos para incentivar melhores resultados económicos, educaciona­is e de saúde não será fácil, até porque os próprios políticos teriam de concordar com a mudança. Mas agora pode ser um momento ideal para enfrentar esse desafio, dada a atenção que está a ser dada à melhoria da igualdade salarial, que inclui acabar com a diferença salarial entre os sexos, com o aumento da desigualda­de de rendimento­s e a redução da desproporç­ão entre a remuneraçã­o dos CEO em relação à dos funcionári­os médios.

Em qualquer caso, a oposição ao pagamento baseado no desempenho não daria uma boa imagem dos políticos. Se estiverem realmente confiantes em que as políticas que apoiam beneficiar­ão o público, os políticos devem estar dispostos a colocar a sua pensão ou, pelo menos, parte dela em jogo. Dambisa Moyo é autora de três livros que entraram na lista dos mais vendidos do New York Times. O seu livro mais recente é Edge of Chaos:Why Democracy is Failing to Create Economic Growth and How to Fix It.

A oposição ao pagamento baseado no desempenho não daria uma boa imagem dos políticos. Se estiverem realmente confiantes em que as políticas que apoiam beneficiar­ão o público, os políticos devem estar dispostos a colocar a sua pensão ou, pelo menos, parte dela em jogo

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