Estado civil: mãe solteira
Nas primeiras cenas de SMILF, Bridgette Bird joga basquetebol com um grupo de homens ao som de Wait, uma música dosYing Yang Twins que é basicamente bolinha vermelha do início ao fim. A cena de flirt desajeitado que se segue é interrompida pela voz do pequeno Larry e a cara horrorizada do homem ao perceber que aquela miúda gira já é mãe. O seu sex appeal e a objetificação aludida na música desaparecem de imediato, agora ao som do bater de calcanhares do basquetebolista que a deixa a falar sozinha.
É isto que nos introduz a uma das séries mais cruas, engraçadas e chocantes que apareceu na televisão nos últimos anos. SMILF é uma variação doacróni mo MILF,u sado parad escrever mães que“ainda” são sexualmente desejáveis. OS amai sé para single. Porque Bridgette é mãe solteira e toda a história parte daí.
A cidade é diferente e os nomes também, mas a série do canal Showtime conta a história real da protagonista, Frankie Shaw, que se viu grávida, solteira e sozinha numa fase crítica da vida. O retrato despido desses anos deu origem a uma curta, que em 2015 venceu o prémio de ficção no festival de cinema Sundance e gerou a série.
“Foi uma ingenuidade pensar que podia mudar-me para Los Angeles e ter um filho sem problemas. Foi tão difícil”, disse-me Frankie Shaw, numa conversa em Beverly Hills. “Parte da luta de uma mãe sem dinheiro é que não se pode parar.” Frankie e o filho pequeno mudavam-se de três em três meses, sem possibilidade de pa- gar uma renda estável, e chegaram a viver no Canadá. “Quando eu estava a passar por isto, era uma insanidade”, recorda. Durante os primeiros anos, cambalearam entre sofás-cama e contas para pagar enquanto Frankie tentava escrever um guião que chamasse a atenção dos estúdios. Mas eram outros tempos, e nem a audiência nem os mandachuvas estavam prontos para uma série assim.
“Naquela altura, esta série não seria recebida da mesma forma”, refletiu Frankie. “Não me teriam dado esta responsabilidade toda, que ainda acho incrível; é uma coisa muito moderna que não existia há cinco ou dez anos.” Além de escrever e protagonizar, Frankie Shaw também é showrunner de SMILF. A sua coprotagonista nestes oito episódios onde há pobreza, desleixo, aventuras sexuais desgraçadas e histórias de abuso é Rosie O’Donnell, num dos papéis da sua vida. Interpreta a mãe de Bridgette de uma forma genial, cheia de contradições e culpa católica. É imperdível.
A adequação temporal de SMILF também é notável, porque sai depois do advento do #MeToo e #TimesUp e no meio de uma guerra política e cultural pelo lugar da mulher na sociedade. De um lado, as forças que querem retorná-la ao centro do lar e ao papel primordial de mãe; do outro, as que tentam evitar o retrocesso das conquistas em matéria reprodutiva e lutam pela instituição de licença de maternidade paga e outros apoios inexistentes na sociedade americana.
Uma metáfora para as contradições desta luta é o facto de não existirem lugares de estacionamento para grávidas em nenhuma loja, centro comercial ou supermercado, nem sequer caixas de pagamento prioritárias. Muitos transportes públicos padecem da mesma ausência, como se não fosse expectável que uma mulher grávida continuasse a fazer a sua vida normal, ou dependesse do marido para carregar os sacos de compras e levá-la a todo o lado. A mulher como mãe é endeusada em teoria, mas a prática conta uma história diferente.
A tragicomédia de Frankie Shaw expõe a uma luz que raramente se viu na televisão esta realidade suja e estigmatizada da mãe solteira, que se objetifica a ela própria e questiona o seu valor. Bridgette Bird não é, de todo, uma heroína nem um modelo a seguir. Não há aqui cerejas em cima de bolos, lições moralistas nem epifanias, o que é muito refrescante – e provavelmente o motivo pelo qual o Showtime renovou a série para uma segunda temporada, que deve chegar no final do ano. SMILF, diz Frankie, navega na onda deste novo género de séries de autor que captam visões inexploradas. Não é uma série só sobre ou para mães solteiras. “O meu foco é a maternidade em geral – mas, mais que isso, o que é ser mulher nesta sociedade.” E isso é uma questão que, mais do que nunca, precisa de boas histórias e melhor representação.
“O meu foco é a maternidade em geral – mas, mais do que isso, o que é ser mulher nesta sociedade.” E isso é uma questão que, mais do que nunca, precisa de boas histórias e melhor representação