Morreu Frank Carlucci, “um segundo discreto e eficaz”
Só me encontrei com Frank Carlucci uma vez na vida, num jantar, na Embaixada dos Estados Unidos. Mas segui o seu itinerário de funcionário do State Department e de intelligence officer em países e tempos complicados – no Congo (Kinshasa) em 1960-1962, em Zanzibar, no Brasil e em Portugal, nos tempos do PREC.
Depois, teve cargos de grande responsabilidade política: foi director adjunto da CIA no final da administração Carter e ocupou uma série de altas funções na administração Reagan. Quando deixou a vida política dedicou-se aos negócios, assumindo a presidência do Grupo Carlyle e de outras empresas e sociedades.
Carlucci esteve em lugares complicados, em tempos complicados e em funções também mais ou menos cinzentas, geralmente como um “segundo” discreto e eficaz. Mas, tirando Portugal, onde a sua intervenção foi decisiva para patrocinar uma solução de anticomunismo moderado, quer no Congo quer no Brasil, o papel mais ou menos salvífico ou sinistro que lhe veio a ser atribuído por admiradores e detractores foi exagerado.
No Congo, era o segundo do embaixador Clare Timberlake. À frente da CIA estava então Lawrence “Larry” Devlin, chefe da estação, que até publicou umas memórias sobre esse tempo (Chief of Station, Congo). Quer Carlucci quer Devlin foram acusados de instigadores ou autores morais da morte de Patrice Lumumba. Ambos negaram o papel, embora Devlin confessasse que chegara a receber instrução nesse sentido, vinda do próprio presidente Eisenhower, através do director adjunto de operações da agência, Richard “Dick” Bissel. A personagem “Carlucci” apareceu até num filme sobre Lumumba, de 1997, a confirmar maquiavelicamente a execução do líder congolês, feito prisioneiro pelos belgas e entregue aos catangueses. E também foi Devlin e não Carlucci o grande “descobridor” e apoiante de Mobutu. A alegada intervenção de Carlucci no Brasil no golpe militar de 1964 é também falsa. Carlucci chegou ao Brasil em 1965, já com o governo militar no poder, mas mesmo assim, nas biografias hostis, lá aparece como um dos arquitectos do golpe, junto ao então coronel Vernon Walters, esse sim adido militar e possivelmente activo no golpe. Golpe esse que foi essencialmente obra de um grupo de coronéis brasileiros que desafiaram o marechal Castelo Branco para os comandar.
Já em Portugal parece ter sido mais central o seu papel, em dupla com Mário Soares. Kissinger era então secretário de Estado e Vernon Walters estava director adjunto da CIA. Homem certo no tempo certo para os interesses americanos e ocidentais em Portugal, Carlucci desenvolveu aqui uma “cumplicidade estratégica” com Mário Soares – ambos pretendiam parar os comunistas e manter Portugal na aliança ocidental. Mas queriam também evitar um Weimar contrarrevolucionário. E conseguiram-no a seguir ao 25 de Novembro, criando uma espécie de centrão político-militar, entre o Grupo dos Nove e o PS e estabilizando o regime na chamada esquerda socialista e democrática. Até hoje.
Depois de Portugal, foi director adjunto da CIA com Jimmy Carter, entre 1978 e 1981, e nos anos oitenta, com a administração Reagan, foi secretário da Defesa adjunto, conselheiro nacional de Segurança e secretário de Estado da Defesa. Sempre próximo do seu condiscípulo Donald Rumsfeld e dos pesos-pesados do establishment republicano, Caspar Weinberger e Jimmy Baker.
Era um homem de acção, capaz de ser também um homem de pensamento e um organizador. No Congo, esteve a ponto de ser linchado por um bando de arruaceiros. Em Zanzibar, teve também complicações e foi expulso da Tanzânia em janeiro de 1965.
Quando esteve em Portugal, em missão, estava eu exilado na África do Sul, no Brasil e em Espanha. Em Madrid percebi a sua acção “estabilizadora”. Só trinta anos depois o encontrei, na Embaixada dos Estados Unidos. Há muito que deixara a política activa e longe iam os tempos da sua missão em Portugal.
Já em Portugal parece ter sido mais central o seu papel, em dupla com Mário Soares