Diário de Notícias

O exemplo sueco: licenças partilhada­s, longas e pagas

Mafalda Gamboa vive em Gotemburgo e tem duas filhas. Conta como funcionam os apoios em que o PSD se inspira

- RITA FERREIRA

“Para cada criança temos 480 dias de licença”, diz Mafalda Samuelsson-Gamboa

Quase a fazer 30 anos, Mafalda Samuelsson-Gamboa tem duas filhas, uma de três anos e outra de dois meses. Vive na Suécia há cinco anos e acredita que, se tivesse ficado em Portugal, não seria ainda mãe. “Não teria condições, provavelme­nte os rendimento­s não chegariam. Parece-me quase surreal os valores dos ordenados mas sobretudo a posição em relação à gravidez. Seria impensável ter o bebé e ir logo trabalhar”, conta, a partir de Gotemburgo.

Entenda-se o que Mafalda quer dizer por “ir logo trabalhar”: da primeira filha esteve um ano e meio em casa e da segunda ficará oito meses. Daí para a frente é o pai que toma conta das crianças. E na Suécia não há sequer hipótese de ter menos de um ano de licença: em nenhuma creche se aceitam crianças abaixo dos doze meses. Em alguns casos, as crianças têm de já conseguir andar.

Mafalda explica como funcionam as licenças parentais: “Para cada criança temos 480 dias. Destes, 60 têm de ser gozados pela mãe e 60 pelo pai. Os restantes podem ser partilhado­s. “Aqui muitos homens ficam com as crianças”, conta. Há um bónus de dias para os casais que dividem de forma totalmente equitativa os dias de licença.

Estes dias podem ser usados até a criança ter 8 anos e são-no para tudo: dias para ir ao médico (consultas de rotina) ou quando ficam doentes. E quanto se recebe durante esses dias? “Menos do que em Portugal”, explica Mafalda. “Pagamos na mesma impostos e só se recebe até 80% do salário, sendo que existe um teto acima do qual ninguém ganha. Na verdade recebo cerca de 60% do salário, se pensar em termos líquidos.”

Com duas crianças pequenas, e de licença da segunda filha, Mafalda recebe mensalment­e apoio do Estado. “Não há abono de família. Existe um valor que toda a gente recebe e, quantas mais crianças se tem, mais se recebe. Na primeira criança – o valor foi aumentado este ano – são 1250 coroas por mês, cerca de 125 euros desde que nasce até aos 16 anos. No nosso caso cobre quase o pagamento da creche. Agora com mais uma criança são cerca de 150 euros por mês por cada uma.” Existe um abono extra para quem tem rendimento­s muito baixos e um valor para ajudar no pagamento da habitação.

No caso de Mafalda, agora que está de licença da segunda filha, a primeira só tem direito a 15 horas por semana de creche. Portanto, vai apenas três dias à escola. “O sistema é muito complexo, mas adapta-se às necessidad­es diferentes de cada família. Eu posso escolher ter dias de trabalho mais curtos, mas tenho de descontar os dias da parentalid­ade. E as entidades patronais não podem recusar a parentalid­ade. Se avisarmos com dois meses eles têm de aceitar. Seria um escândalo se algum patrão pusesse entraves ao gozo dos dias de parentalid­ade. Depois, toda a gente sai cedo do trabalho”, explica Mafalda. Um exemplo concreto: “Se eu fosse buscar a filha às 5 da tarde ela era a última na creche.”

Durante a gravidez, Mafalda Samuelsson-Gamboa foi acompanhad­a no centro de saúde e fez apenas uma ecografia de cada uma das duas gravidezes. O parto foi no hospital público de Gotemburgo e o pai esteve presente no nascimento das duas filhas e ficou ao seu lado na primeira noite.

“A desigualda­de em Portugal começa no parto. Seria impensável o pai não estar no parto nem nas primeiras horas de vida da criança”, sublinha. Ainda assim, há problemas: “Só há um hospital em Gotemburgo. Quando está muito cheio o segundo hospital está a uma hora e meia/duas de carro. E tem havido muitas queixas pela falta de cuidado que se recebe no pós-parto, há pressão para que as grávidas saiam do hospital com o bebé até oito horas depois de a criança nascer. Se estiver tudo bem, claro. E há apenas depois mais uma visita com a parteira no pós-parto.”

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